Izailton
Luiz de Freitas, que comercializa peixe-voador em Caiçara do Norte,
vê possibilidade de as vendas crescerem, pelo
menos, 50%
Apesar
de o município de Caiçara do Norte – a 149 quilômetros de Natal – ser o maior
produtor nacional de peixe-voador, a captura da espécie Hirundichthys affinis –
também conhecida como voador de quatro asas - está em pleno declínio na região.
Enquanto no início dos anos 70 eram pescadas 1,5 mil toneladas, hoje, a
produção beira as 800 toneladas, o que representa apenas 10% da produção de
pescado da bacia potiguar. Por não ser um peixe nobre, o baixo valor comercial
do voador inviabiliza a pesca. Mil unidades são vendidas até por R$ 50, o que
não compensa o comércio frente a outras espécies consideradas nobres, como
dourado e atum. Contudo, essa atividade chega movimentar cerca de R$ 14 milhões
por ano e pode ser revitalizada por meio de um projeto que está sendo
desenvolvido pelo Sebrae no Rio Grande do Norte e Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), em parceria com prefeituras da região.
O
projeto pretende estimular o resgate da pesca do peixe-voador e da ova com
sustentabilidade. Denominado Projeto Voador, a ideia é melhorar o
aproveitamento do peixe e outras espécies capturadas em alto mar. O objetivo é
compreender as demandas de consumo e, atacar a organização da produção,
verificando desde a viabilidade de produtos processados até a implantação de
uma unidade de beneficiamento.
Todo
o projeto está sendo estruturado com os pescadores, que participam de
seminários promovidos pelos idealizadores. O último foi realizado em dezembro,
quando foi assinado o convênio entre Sebrae e a UFRN para liberação de
recursos, e estabeleceu a implantação de um comitê gestor, formado por todos os
elos da cadeia produtiva, para definir os rumos da iniciativa. O projeto
envolve a identificação da produção, a definição de potenciais mercados,
elaboração de produtos derivados e sua viabilidade. “O projeto é importante
para e principalmente para quem sobrevive dessa atividade”, diz o diretor
técnico do Sebrae-RN, João Hélio Cavalcanti.
O
cronograma de ações prevê a realização de um levantamento em Caiçara do Norte
sobre: o número de pescadores, embarcações, artes de pesca, espécies
capturadas, quantidades e sazonalidade, estrutura de manipulação, produtos,
forma de comercialização, preços e destino, grau de conhecimento técnico e
necessidade de capacitação.
Conscientização
Uma
das frentes do projeto é conscientização da sustentabilidade da captura, já que
muitos pescadores extraem predatoriamente a ova do peixe-voador, o que pode
causa um colapso nos estques da espécie. O voador de quatro asas entra em
período reprodutivo com aproximadamente 27 centímetros (aos seis meses) e tem um ciclo de vida de aproximadamente um
ano. Caso não sejam delimitados os tamanhos para captura e a quantidade de ova
a ser extraída, a espécie pode não subsistir em curto prazo. Daí a importância
do monitoramento dos estoques.
Na
visão do vice-presidente da colônia de pescadores, o beneficiamento do peixe
trará novas perspectivas. “O processamento agrega valor ao peixe-voador e abre
novas frentes de trabalho”, argumenta Godofredo Nunes.
A
concepção do projeto animou o Izailton Luiz de Freitas, que desde pequeno atuam
no comércio de peixes em Caiçara do Norte. No racho, as vendas do peixe-voador
são mínimas em comparação às de serra , por exemplo. Com as ações, o
comerciante estima que as vendas subiriam pelo menos 50%. “Esse projeto vai
valorizar o pescado e também o pescador. Será um resgate da pesca de uma
espécie que é cara da nossa cidade”.
Espécie perdeu espaço em
Caiçara
O
comerciante Antônio Neto sobrevive do comércio de pescados e lembra com
saudosismo a época em que a pesca do peixe-voador era determinante para a
economia de Caiçara do Norte. O cenário era bem diferente do atual. Os ranchos
– locais onde comerciantes armazenam, no gelo para venda, peixes comprados de
pescadores – eram abarrotados de esteiras com peixe-voador desidratado. “Nesse
tempo, apenas um vendedor comprava de pescadores em torno de 30 mil peixes por
semana. Em dez anos, tudo mudou. Hoje, o máximo que se compra é 10 mil
unidades. Até os pescadores não querem mais ocupar as embarcações com essa
espécie porque não compensa”, diz Antônio Neto ao tentar explicar o motivo da
rejeição ao peixe.
A
pesca do dourado impera na região. Mesmo representando apenas 6% da produção,
essa espécie tem alto valor comercial. Se uma unidade de peixe-voador pode
custar, no máximo, dez centavos na entressafra, um quilo de dourado vale R$ 13
– a safra ocorre entre os meses de abril e meados de julho. E essa é apenas a
ponta do iceberg que explica rejeição da espécie. Parte da desvalorização está
relacionada à redução da demanda pelo consumo. Tradicionalmente, o peixe-voador
era vendido desidratado e salgado em feiras livres de diversas cidades
nordestinas. Mas, o pescado apresenta alto teor de espinhas, o que pode
explicar a preferência por outras espécies.
“Todo
mundo sabe que o peixe-voador é praticamente ignorado pelos pescadores pelo
baixo valor comercial, diferente da ova, que é muito apreciada e valorizada
pelo mercado”, revela Godofredo Nunes, vice-presidente da colônia de pescadores
da cidade, que reúne 1,2 mil pescadores associados. O quilo das ovas não
fecundadas é vendido por R$ 5,00.
A
economia de Caiçara do Norte, assim como de São Bento do Norte, Jandaíra e
Parazinho, está muito estrelada à atividade pesqueira, que vira uma das
principais cadeias produtivas geradoras de emprego e renda. A pesca representa
50% das receitas de Caiçara do Norte, onde um terço da população de 60 mil
habitantes está inserido nessa cadeia produtiva.
Derivados vão de
hambúrguer a nuggets
Mesmo
em fase inicial, o projeto já tem alguns resultados. Um dos principais é o
envolvimento de trabalhos acadêmicos para comprovar a viabilidade da carne e
ova, assim como o desenvolvimento de receitas e novos produtos derivados. Estão
envolvidos nessas pesquisas graduandos e pós-graduandos dos departamentos de
Nutrição, Engenharia de Produção e de Oceanografia e Limnologia da UFRN. Todas
as ações são coordenadas pelo professor Rodrigo Carvalho.
Apesar
de ser considerado um peixe com muitas espinhas, os estudos comprovaram que o
rendimento do peixe-voador supera as expectativas e tem um rendimento de 55% de
carne - percentual equivalente a
espécies da aqüicultura, como a tilápia – e baixo teor de gordura (menor que
2,5%).A separação mecânica da carne pode resultar em uma massa de proteína
mecanicamente separada ou ainda, com lavagem e refino, em surumi (matéria prima
para o kani kani).
Os
estudos e testes dos universitários potiguares concluíram que com essa carne é
possível fazer hambúrgueres de peixe-voador, que teriam um custo de
aproximadamente R$ 10 o quilo e poderiam ser vendidos com uma margem de lucro
de lucro de 25%, sendo mais barato que os tradicionais de frango, bovino, suíno
e de peru, além de ter uma lucratividade mais alta.
Também
foi testado o uso na fabricação de nugetts, que teria uma aceitação igual aos
dos tradicionais mas com menos poder de absorção de óleo. Também foram feitas
experimentalmente as mortadelas e linguiças do peixe. Todos os produtos
desenvolvidos foram aprovados nas análises sensoriais, após degustação feita
definir a percepção dos consumidores acerca desses novos produtos. A proposta é
também inserir esses produtos na merenda escolar da rede pública de cidades da
região.
(***) FONTE: Tribuna do Norte
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