segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

ZILA MAMEDE: A POETISA QUE BEIRA O ANONIMATO PARA A MAIORIA DOS POTIGUARES


Por: Conrado Carlos

Ontem, 13 de dezembro, além de Santa Luzia, outra mulher iluminada deve ser lembrada. Falo da maior poeta potiguar, Zila Mamede. Longe de dissecar sua obra, pois confesso ter parcos conhecimentos sobre o que ela escreveu, o que pretendo aqui é cutucar gestores para uma mania triste que, entra grupo político, sai grupo político, permanece como uma mácula em nossa formação como povo. Fora o nome da biblioteca da UFRN, qual a referência que um cidadão comum, sobretudo aquele que mora nos arrabaldes ou sertão adentro, tem de uma artista tão importante? Nas escolas públicas e particulares, será que alunos têm contato com fragmentos de sua poesia? Ela não morreu de overdose, nem queria uma ideologia para sobreviver, mas fica a sensação de que nossos inimigos é que estão no poder, diante da falta de incentivo ao que de mais importante o homem produziu para nortear o juízo: a arte.

Neste sábado morno, em que o maranhense Zeca Baleiro cantará na Arena das Dunas com cachê pago pela Prefeitura de Natal, lembremos os 29 anos da morte de Zila com um minuto de silêncio em protesto contra deputados e vereadores que, numa hora dessas, escolhem o próximo zé ninguém a receber título de cidadão. A lista de nativos que oferecem aos conterrâneos um pouco de abstração, beleza, experiência e reflexão através de seus sons, escritos, pinturas, esculturas é imensa. Vários deveriam estar em cada esquina de Natal e dos principais municípios norte-rio-grandenses. Como? Em murais, bustos, painéis, exposições, feiras, programas de rádio, tevê, produção e exibição de peças e documentários (exibidos em escolas e praças públicas), distribuição de livros, aulas-palestras em colégios e faculdades, panfletagem em dias alusivos (nascimento, morte, obras-chave, etc) e por aí vai…

É assim que um povo valoriza o que é seu, o que foi feito em sua terra – tão perto, tão acessível, tão assimilável. De quê adianta termos leis de incentivo, projetos para custear a publicação de obras e financiar filmes se isso não vai chegar ao destinatário final? O que acontece é que nêgo pega dinheiro público para bancar editora, chama os amigos para um coquetelzinho em um lugar bacana e estamos conversados. Não que o escritor ou biógrafo esteja errado. Isso deve existir, sim. Mas a coisa seria eficaz se fosse articulada em várias frentes, com secretarias de comunicação, cultura, ação social, educação, o djabo a quatro, fomentando o entorno. Dinheiro sabemos que tem. Falta o quê? Bastava usar a mesma estratégia de uma campanha eleitoral que corriqueiramente pega desconhecidos, massifica sua imagem e alcunha e os transforma em gente poderosa meses depois.

Essa gente gosta é de números. “Em minha gestão, publicamos tantos livros. Criamos êne editais. Realizamos feiras literárias, festivais de música, etc”. Seria leviandade de minha parte detonar secretários da pasta referente por nossa cultura ser tão apagada aos olhos de quem deveria ver. Ao longo das últimas décadas, teve muita figura competente e afim do negócio – caso do atual do município, Dácio Galvão.  Só que a operação é tão complicada, foge tanto de sua seara e responsabilidade, que emperra. Em âmbito estadual, então, é um desastre. Ganha uma cópia do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, quem disser que conhece um menino de Venha-Ver, Riacho da Cruz ou Ipanguaçu por dentro de nossa história – por falar no livro de Cascudo, alguém viu pelo menos uma menção de um ente público acerca de seus 60 anos de publicação, celebrados este ano apenas pelo Instituto Ludovicus?

Em vez de defender centavos a mais na passagem de ônibus ou, pior, um partido que demonstra táticas mafiosas e doutrinantes, a juventude ideologizada deveria pedir cultura e educação, como fizeram 100 mil chilenos, outro dia. “Deixe de sonho besta, rapaz, quem danado quer saber disso?”, me ofende um sujeito de camisa polo com um cavalo pregado no peito. “O povo quer feijão, celular e cachaça”. Está certo. Sei disso. Basta ver que a Copa do Mundo foi aquele derramamento de grana descontada do nosso trabalho e ficou por isso mesmo.

Esqueceram geral, ainda que a conta esteja pendurada até eu morrer. Como uma criação artística pode (e deve) ser interpretada de várias formas, encerro com um trecho do Soneto Triste Para Minha Infância, da homenageada de hoje, que mais parece um resumo destas 800 palavras que você acaba de ler: “De silêncios me fiz, e de agonia vi, crescente, meu rosto saturado. Tudo de mágoa e dor, tudo jazia nos meus braços de infante degredado”.


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