Por: Conrado Carlos
Ontem, 13 de
dezembro, além de Santa Luzia, outra mulher iluminada deve ser lembrada. Falo
da maior poeta potiguar, Zila Mamede. Longe de dissecar sua obra, pois confesso
ter parcos conhecimentos sobre o que ela escreveu, o que pretendo aqui é cutucar
gestores para uma mania triste que, entra grupo político, sai grupo político,
permanece como uma mácula em nossa formação como povo. Fora o nome da
biblioteca da UFRN, qual a referência que um cidadão comum, sobretudo aquele
que mora nos arrabaldes ou sertão adentro, tem de uma artista tão importante?
Nas escolas públicas e particulares, será que alunos têm contato com fragmentos
de sua poesia? Ela não morreu de overdose, nem queria uma ideologia para
sobreviver, mas fica a sensação de que nossos inimigos é que estão no poder,
diante da falta de incentivo ao que de mais importante o homem produziu para
nortear o juízo: a arte.
Neste sábado
morno, em que o maranhense Zeca Baleiro cantará na Arena das Dunas com cachê
pago pela Prefeitura de Natal, lembremos os 29 anos da morte de Zila com um
minuto de silêncio em protesto contra deputados e vereadores que, numa hora
dessas, escolhem o próximo zé ninguém a receber título de cidadão. A lista de
nativos que oferecem aos conterrâneos um pouco de abstração, beleza,
experiência e reflexão através de seus sons, escritos, pinturas, esculturas é
imensa. Vários deveriam estar em cada esquina de Natal e dos principais
municípios norte-rio-grandenses. Como? Em murais, bustos, painéis, exposições,
feiras, programas de rádio, tevê, produção e exibição de peças e documentários
(exibidos em escolas e praças públicas), distribuição de livros,
aulas-palestras em colégios e faculdades, panfletagem em dias alusivos
(nascimento, morte, obras-chave, etc) e por aí vai…
É assim que
um povo valoriza o que é seu, o que foi feito em sua terra – tão perto, tão
acessível, tão assimilável. De quê adianta termos leis de incentivo, projetos
para custear a publicação de obras e financiar filmes se isso não vai chegar ao
destinatário final? O que acontece é que nêgo pega dinheiro público para bancar
editora, chama os amigos para um coquetelzinho em um lugar bacana e estamos
conversados. Não que o escritor ou biógrafo esteja errado. Isso deve existir,
sim. Mas a coisa seria eficaz se fosse articulada em várias frentes, com
secretarias de comunicação, cultura, ação social, educação, o djabo a quatro,
fomentando o entorno. Dinheiro sabemos que tem. Falta o quê? Bastava usar a
mesma estratégia de uma campanha eleitoral que corriqueiramente pega desconhecidos,
massifica sua imagem e alcunha e os transforma em gente poderosa meses depois.
Essa gente
gosta é de números. “Em minha gestão, publicamos tantos livros. Criamos êne
editais. Realizamos feiras literárias, festivais de música, etc”. Seria leviandade
de minha parte detonar secretários da pasta referente por nossa cultura ser tão
apagada aos olhos de quem deveria ver. Ao longo das últimas décadas, teve muita
figura competente e afim do negócio – caso do atual do município, Dácio Galvão. Só que a operação é tão complicada, foge
tanto de sua seara e responsabilidade, que emperra. Em âmbito estadual, então,
é um desastre. Ganha uma cópia do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara
Cascudo, quem disser que conhece um menino de Venha-Ver, Riacho da Cruz ou
Ipanguaçu por dentro de nossa história – por falar no livro de Cascudo, alguém
viu pelo menos uma menção de um ente público acerca de seus 60 anos de
publicação, celebrados este ano apenas pelo Instituto Ludovicus?
Em vez de
defender centavos a mais na passagem de ônibus ou, pior, um partido que
demonstra táticas mafiosas e doutrinantes, a juventude ideologizada deveria
pedir cultura e educação, como fizeram 100 mil chilenos, outro dia. “Deixe de
sonho besta, rapaz, quem danado quer saber disso?”, me ofende um sujeito de
camisa polo com um cavalo pregado no peito. “O povo quer feijão, celular e
cachaça”. Está certo. Sei disso. Basta ver que a Copa do Mundo foi aquele
derramamento de grana descontada do nosso trabalho e ficou por isso mesmo.
Esqueceram
geral, ainda que a conta esteja pendurada até eu morrer. Como uma criação
artística pode (e deve) ser interpretada de várias formas, encerro com um
trecho do Soneto Triste Para Minha Infância, da homenageada de hoje, que mais
parece um resumo destas 800 palavras que você acaba de ler: “De silêncios me
fiz, e de agonia vi, crescente, meu rosto saturado. Tudo de mágoa e dor, tudo
jazia nos meus braços de infante degredado”.
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