terça-feira, 22 de outubro de 2013

SLAM POETRY - MICROFONE E POESIA


Por: Julia Garcia

Um microfone na mão e opiniões e verdades a serem divididas. Soa familiar? A descrição traz à mente nomes do gênero musical rap – rhythm and poetry, literalmente, ritmo e poesia –, representado no Brasil por nomes como Racionais MCs, Emicida, Marcelo D2 e Sabotage. Porém, a poesia entoada com um microfone, que teve origem em batalhas entre os artistas, não é mais exclusividade do rap.

Estamos falando da poesia slam, ou slam poetry, como é chamada em inglês. Essa história começa em 1984, numa escola de Chicago, no estado americano de Illinois; lá, Marc Smith deu início ao que crê-se ter sido o primeiro campeonato de poesias ao microfone, julgado pelo público – que dava notas a cada poeta – e decidido através do confronto indireto entre os participantes. Aos poucos, a iniciativa se espalharia pelo país e, nos anos 90, a diversos países da América, que começaram a adotar o modo de expressão. Também conhecido como spoken word, ou palavra falada, o gênero ganhou força com a aceitação de adolescentes e poetas independentes, que viram nessa forma de fazer literatura um campo maior de possibilidades de inovação e arte.

É difícil traduzir o termo; slam refere-se a um grande barulho, como o causado por uma porta que bate com o vento forte. Dessa forma, podemos nos referir ao campeonato como uma batalha de poesias agitadas, fortes. Em países de língua francesa e espanhola, idiomas em que poderíamos nos basear para arriscar uma adaptação, traduzem apenas o termo poetry, mantendo o slam, provavelmente pelo sentido onomatopeico da palavra. É uma boa solução: a poesia slam não é declamada e cada poeta imprime ao seu texto cadências, ritmos e leituras próprios, que, sem sua voz, seriam decididos pelo leitor. É um poema que necessariamente terá ruído, barulho, vida própria – nada parecido com uma leitura silenciosa e calma, normalmente associada ao gênero poético.

Se a juventude apropriou-se das competições e causou a transição para um novo gênero de poesia, não é à toa: com características do rap, influências de diversos estilos musicais (que podem servir de pano de fundo para os poemas) e uma possibilidade nova, sem regras, de expressão, onde o que vale é expor suas ideias e sentimentos de forma original e pungente, a poesia slam é ao mesmo tempo uma válvula de escape para esse período da vida famoso pelas contradições e dúvidas e um caminho novo para a arte, que parece ainda não ter sido plenamente descoberto – ou seja, ainda precisa ser explorado. Os poemas precisam ser próprios, esta é a única regra indisputável, que não varia em competição alguma do mundo; tudo o mais é autônomo. Não é por menos que Andrio Candido, poeta slammer brasileiro, declarou, numa apresentação em São Paulo, que “a poesia pra mim é um recurso pra botar os meus demônios pra fora”. A catarse é uma das mais facilmente reconhecíveis características do texto literário. Na poesia, é a mais atraente e marcante.

LIBERDADE E LITERATURA
A produção nacional de poesia slam existe e não é pequena, mas sofre de pouca divulgação. Grupos são organizados e podem ser encontrados por todo o país, mas é necessário procurar. No YouTube, quando digitamos poesia slam na busca, a maioria dos resultados são em espanhol, além de alguns vídeos em inglês com legendas.

A própria natureza da poesia slam, no entanto, soluciona o problema: essa forma de fazer poemas e ventilá-los, às vezes com música, quase sempre tendo apenas a voz como recurso, é atraente para os jovens, e assim pode ser facilmente trazida para a na sala de aula. Os alunos já conhecem o rap, ainda que possam não apreciá-lo musicalmente, e assim já têm uma ponte com a poesia slam. Com a exibição de vídeos e exemplos – talvez até um poema de autoria própria lido para a classe, por que não? –, professores de literatura podem conquistar a atenção dos estudantes e estimulálos à produção própria, reproduzindo inclusive o sistema da competição por chaves.

A literatura e o protesto há séculos andam de mãos dadas, mas a presença da juventude nessa união é muitas vezes ignorada; a recente notoriedade da poesia slam – que chegou a ser tema de um reality show na rede americana HBO – não apenas nos faz repensar o gênero poético como um todo, mas também evidencia quem pode escrever. Para ser um poeta slam, basta um poema de autoria própria, um público e um microfone; a produção literária passa a ser acessível e atraente. Se devidamente guiada por um professor, é um caminho para, de uma só vez, trabalhar a redação dos alunos, compreensão poética e até mesmo questões sociais, sempre presentes na cultura slam. O aspecto competitivo pode ser introduzido mais tarde, depois que os estudantes se sentirem confortáveis com a exposição, mas muitas vezes a ideia de disputar com os colegas torna qualquer atividade mais estimulante – algo que pode ser usado a favor da matéria.

A poesia slam é uma excelente forma de mostrar aos alunos que o gênero poético é muito mais do que rimas e palavras de amor, que a literatura é ferramenta de expressão e que a escrita é democrática, e qualquer um pode valer-se da catarse e do poder da poesia para contar sua história e soltar seus demônios. Não seria surpreendente se os alunos, após serem devidamente apresentados ao gênero, aproveitassem para conhecer poetas tradicionais e vissem, assim, que a literatura tem muito mais som e barulho do que eles esperavam.


*Julia Garcia é editora das revistas CONHECIMENTO PRÁTICO LITERATURA e CONHECIMENTO PRÁTICO LÍNGUA PORTUGUESA.

Nenhum comentário: