segunda-feira, 17 de outubro de 2011

MIRAGEM




       Na hora do ângelus.
       
       O sol esconde-se no horizonte.
       
       Maré de vazante.
      
        Sento-me na areia da praia salpicada por conchas de búzios, fico a observar o Rio Aratuá seguindo lentamente com sua majestosa correnteza, entre o cais e o mangue.
       
         Rio bonito. Rio Aratuá vai em busca do grande encontro com as belas ondas do mar, não sem antes beijar as areias da Praia do Presídio estendida ao seu lado, demonstrando toda a sua beleza e sensualidade.
       
         Ao longe ouço a Ave Maria de Gounod. Sons melodiosos que vem de algum rádio, de alguém que acredita nos seres celestiais.
       
          Escurece e o céu é ornado pelo dourado das estrelas, o som das marolas batendo nos costados das canoas e dos barcos de pesca que estão ancorados no rio. Torna-se um cenário melancólico, é como se Manet tivesse pegado os seus pincéis e tivesse pintado tão belo quadro.
       
           De repente transporto-me a um passado não um tanto remoto; época em que meus avós e meus tios desfrutavam da vida de uma Guamaré, pacata vila de pescadores.
        
            Época em que o progresso não tinha interferido na vida dos nativos. Todos se conheciam e participavam das festas e folguedos existentes na cidade e organizados pelos próprios moradores.
       
             É como se eu estivesse vendo Guamaré ainda virgem, intocada, sem o cais de pedra da Petrobrás e que tinha a beleza natural dos manguezais preservada, rios sem poluição, as belas dunas da Penha onde íamos pegar água de beber em suas cacimbas de águas cristalinas.
       
              Ao invés de lanchas e rebocadores barulhentos, lançando fuligem e fumaça de óleo diesel no céu de minha cidade; tínhamos os botes da aguada, os botes de pescaria carregados de Voadores e Dourados, singrando silenciosamente o rio até o atracadouro em frente à Igreja de Nossa Senhora da Conceição.
       
               Ah! Guamaré, como mudaste.
      
               Perdeu o charme e o romantismo de cidade pequena, com o bate papo na calçada do mercado e deu lugar a uma mistura de sotaques de diversas regiões do Brasil e até mesmo de outros países. Ninguém se cumprimenta mais, os costumes e as tradições do seu povo feliz e hospitaleiro estão se perdendo no tempo e dando lugar a novos costumes e novos conceitos de vida trazidos pelos “forasteiros” que invadem a cidade em busca de uma melhor condição de vida.
       
              Guamaré, o eldorado petrolífero.
       
              Guamaré, antiga ilha dos gatos.
       
              Guamaré que já se chamou Aguamaré, mas que apesar de tantas mudanças, eu continuo te amando, pelas belezas dos teus rios e manguezais e pela forma simples dos teus filhos conciliarem toda essa transformação tão abrupta.
       
              De repente, um idiota estaciona em frente ao Bar do Cobal, abre a mala do carro e coloca um CD de axé-music aumentando o volume ao máximo, me tirando dos meus devaneios e, a minha Guamaré tão querida que eu gostaria  que ainda existisse, sumiu, desapareceu como miragem, trazendo-me a realidade.
               
              Levanto-me e caminho em direção ao calçadão.
      
              Caminho cabisbaixo sobre a negra serpente asfáltica em que se transformaram as ruas de Guamaré.


(*) Poesia extraída do livro:
Guamaré, Retalhos Poéticos
Autor: Gonzaga Filho

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