TEATRO POPULAR, COMUNICAÇÃO VIVA
O Mamulengo
é uma das pouquíssimas formas de Teatro Popular que ainda consegue subsistir
nesse país, onde a cultura é relegada ao mais inferior dos planos.
Com muita
ação, muita beleza e muita graça, o Mamulengo consegue educar e divertir desde
a pequena criancinha até o mais idoso adulto, independente de cor, sexo ou
classe social. Através dele conseguimos nos transportar para a fantasia mágica
do teatro e ficamos ao mesmo tempo entre o sonho e a realidade, extasiados pela
dinâmica e a simplicidade desse brinquedo do povo.
Mamulengo é
uma forma de arte popular da cultura nordestina. É um teatro de bonecos,
conduzido com as mãos na linha dos fantoches, mas com uma estrutura própria, da
qual faz parte: histórias, lendas, linguagem própria, personagens fixos,
pancadarias, picardia, música, dança etc... É um brinquedo com seu jeito
próprio de ser, inigualável na dinâmica, simplicidade e alegria.
A origem da
palavra MAMULENGO se perde na história e não é comprovada sua aparição por
documento, mas sim, pelas próprias teorias populares. Uma das mais comuns é a
teoria de que MAMULENGO seria uma corruptela da expressão popular “MÃO-MOLENGA”
porque o mamulengueiro (a pessoa que conduz a brincadeira escondida atrás da
pequena barraca) tem que ter uma grande habilidade manual para trabalhar ao
mesmo tempo com dois personagens e manipular às vezes mais de 60 bonecos
durante uma brincadeira que dura no mínimo de duas horas, até seis ou oito
horas de representação.
O Mestre
(modo como é chamado o mamulengueiro e quase sempre o dono do brinquedo) tem
que ser poeta, ator, dançador, improvisador, cantador, dinâmico, saudável
etc... Pois para brincar com mais de 60 bonecos, em às vezes quase oito horas
de representação, é preciso ser mais que artista, é preciso viver e incorporar
cada personagem do brinquedo. É preciso ir ao âmago da brincadeira e se
transformar a cada momento.
Um
verdadeiro Mestre de Mamulengo é, além de tudo isso, o artesão, o homem que
confecciona seus próprios bonecos entalhando-os do mulungu – madeira leve
extraída de grandes árvores dos brejos de alguns estados nordestinos.
O Mamulengo
é descendente da Comédia Popular Italiana (Comédia Dell’Arte) e dela absorveu
vários personagens e parte da estrutura de representar da velha comédia.
Segundo a
escassa bibliografia que é composta por três obras apenas (O Mundo Mágico do João Redondo de Altimar Pimentel; Fisionomia e espírito do Mamulengo de
Hermílio Borba Filho; Mamulengo – Um
Povo em forma de bonecos de Fernando Augusto Gonçalves dos Santos), o
teatro de bonecos apareceu no Brasil duzentos anos após o descobrimento,
portanto por volta de 1700. Dizemos que o teatro de marionetes chegou ao Brasil
por esta época e não o mamulengo em si, porque o brinquedo, que hoje é profano,
vem do teatro religioso, ou melhor, dos átrios da Igreja. Durante anos, porém,
foi tomando forma, corpo, estrutura própria, penetrando nas camadas populares,
absorvendo seus costumes até transformar-se num brinquedo do povo.
A ação dramática
do mamulengo é feita através de pequenas peças ou passagens não escritas,
acompanhadas e entremeadas de muita música, dança e improvisações feitas pelo
apresentador que pode ser Simão, Prof. Tiridá, Benedito, João Redondo, Casimiro
Coco etc...
A ação
dramática do brinquedo é feita através de passagens e as passagens são motivos
ou até pretextos para a atuação de determinados personagens. É uma brincadeira
arbitrária e improvisada adaptando-se com rápida facilidade ao ambiente onde
está sendo brincada. As passagens são totalmente independentes entre si sem
qualquer preocupação lógica.
VEJAMOS ALGUNS EXEMPLOS:
Passagens-Pretexto: Onde aparece um boneco,
cumprimenta o publico, diz uns gracejos, canta alguma coisa e sai. Sua aparição
é independente de qualquer explicação.
Passagens- narrativas: feita com versos como os poetas
repentistas. Um ou dois bonecos narram fatos, acontecimentos ou estórias
imaginarias.
Passagens de briga: geralmente são arbitrarias,
onde os bonecos dão prova de verdadeira resistência artesanal, devido ao grande
numero das pancadarias e violentas contorções que são típicas dessas passagens.
As brigas e a violência dessas passagens não chegam porém, a chocar ou agredir
o público, por se valerem do humor, do ridículo e do caricatural nas
representações.
Passagens de dança: servem como recurso para fazer
ligação entre as outras passagens que compõem o brinquedo. São também
totalmente arbitrárias e delas participam ativamente os tocadores e os bonecos
dançarinos.
Passagens-de-peças ou Tramas: São Comédias, dramas, farsas,
autos religiosos, sátiras sociais etc., que seguindo a estrutura formal do
espetáculo de teatro, podemos considera-las como pequenas peças. Essas pequenas
passagens embora não sejam escritas, acontecem dentro do mamulengo, igualmente
ao teatro de revista, onde se sucedem como esquetes com assuntos cômicos,
sociais, morais, religiosos, etc., incorporando elementos que pertencem ao
gênero dos musicais e ao gênero do Circo.
É bom
ressaltar, que atualmente, vários mestres, dos poucos que ainda existem,
adaptaram seus brinquedos à velocidade da comunicação moderna, brincando
estórias completas que duram cerca de uma hora, uma hora e meia, mais ou menos,
dependendo do lugar e da platéia para a qual estejam se apresentando.
Quem cria e
brinca de mamulengo é sempre um artista popular. Um artista do povo para o
próprio povo. É também um artista do riso, pois o riso, além de ser sua maior
intenção, é, sem dúvida, sua maior recompensa como artista do mamulengo.
Suas estórias
são tiradas do cotidiano, apresentadas de maneira hilária, fantástica,
engraçada e picante. Fazendo a platéia ir ao delírio do riso e penetrando na
alma do espectador transformando-o nos próprios bonecos da representação.
Do ponto de
vista técnico a representação do mamulengo não é muito simples, pois além do
Mestre, são necessários outros elementos que auxiliam bastante para que
aconteça o espetáculo, a brincadeira, a função. Como é essa estrutura? Quem são
esses elementos e quais são suas funções dentro do brinquedo?
O Mamulengo
é brincado dentro de um palco que é chamado de: Barraca, Tolda, Empanada e às
vezes de Tenda. Geralmente são construídas de madeira e revestidas com tecidos
populares. Às vezes encontramos barracas com desenhos e dizeres do povo que são
usados meramente como enfeites, sem muita preocupação com o conteúdo, como
encontramos também, mamulengueiros brincando apenas como uma corda esticada e
um pano pendurado.
DENTRO DA BARRACA BRINCAM:
O MESTRE é o responsável pelo brinquedo e
é a figura mais importante... Geralmente é o dono do brinquedo, criador dos
bonecos e o do espetáculo, acumulando as funções de empresário, principal ator
e manipulador.
O CONTRA MESTRE é a segunda pessoa da
brincadeira. Manipula alguns bonecos, cria mais de uma voz e dialoga com o
Mestre sustentando o improviso. Em alguns casos é sobrepujado em importância
pela figura do Mateus.
OS FOLGAZÔES OU AJUDANDES sua função é a de manipular
bonecos em cenas com muitos personagens, como brigas, e sobre tudo danças,
quando fazem coro cantado junto com os instrumenteiros. Quase nunca falam
DO LADO DE FORA DA BARRACA
BRINCAM:
O MATEUS: personagem muito importante para
o mamulengo e que foi assimilado do Bumba-Meu-Boi. O Mateus é uma espécie de
Corifeu da Tragédia Grega. Sua função é a de interlocutor entre o mundo
figurado dos bonecos e o mundo real do público. Deve ser ágio, engraçado,
versejador e ter muito senso e prática na arte do improviso.
OS INSTRUMENTISTAS: entre os mamulengueiros são
chamados de “instrumenteiros”, “batuqueiros” ou “tocadores”. Os instrumentos
mais usados são sanfona de oito baixos, triangulo, ganzá e zabumba. A música é
um elemento de vital importância para o brinquedo do mamulengo. Na música e na
dança repousa quase toda a estrutura dramática do brinquedo. A participação dos
músicos nas cenas de danças, de brigas, nas cantorias etc., determinam muitas
vezes o ritmo e o clima do espetáculo. De acordo com a qualidade dos
instrumentistas o espetáculo cresce em participação. A música é executada ao
vivo e muitas vezes criada de improviso em cima da cena que está sendo
apresentada.
O PÚBLICO ou PLATÉIA: é sem duvida o elemento mais importante para qualquer
tipo de atividade artística, pois é para o público que é criado, preparados e
apresentados os espetáculos. No caso do Mamulengo, o público se constitui um
elemento vivo, ativo e participante durante toda brincadeira. Sem a
participação do público não pode haver brincadeira, e, se houver, nunca será
completa.
O Mamulengo
nos transporta para um mundo onde o fantástico se torna cotidiano e o cotidiano
se torna fantástico. Para tentar compreendê-lo temos que penetrar no seu
universo, partindo do boneco como simples objeto plástico, como escultura, até
o momento em que ele perde a natureza de simples pedaço de madeira esculpido,
para transformar-se em ser vivo, dramático, animado, a quem o mamulengueiro
empresta alma, e, consequentemente, vida.
É fantástico
o processo de criação do mamulengo, desde a transformação de um simples pedaço
de madeira no boneco como elemento plástico, até ele adquirir vida durante a
brincadeira. Porque nisso tudo, entra a coisa mais bela que existe – o poder de
criação que acompanha o ser humano desde sua existência na Terra.
É uma pena
que esse incrível teatro popular, como tantos outros brinquedos da nossa
cultura, já estejam fadado ao desaparecimento e consequentemente à extinção.
Vivemos num
país onde não se preserva a cultura popular. Onde essa cultura está dia a dia
deixando de ser “a brincadeira do Povo”, para transforma-se em folclore e mero
elemento de especulação turística.
Sabemos que
a evolução de um povo depende do quanto ele saiba preservar seus costumes, sua
ciência, sua arte, sua cultura. A cultura evolui, adquire novos elementos, mais
conserva sua essência, sua alma, que lhe dá marca registrada e resguarda-a das
imitações, falsificações...
Tanto o
Mamulengo como outros folguedos do nosso povo, estão sofrendo muito com essa
tentativa de massificação da cultura que está sendo implementada pelos meios de
comunicação de massa.
Em nome da
“cultura” estão destruindo nossos brinquedos e abrindo espaço, por exemplo para
a televisão, mau manipulada por elementos totalmente inescrupulosos que usam
sua força para deseducar e para impor na população a rebeldia desenfreada, o
consumismo, que consequentemente leva ao conformismo e ao obscurantismo, posto
que aos ricos apresenta soluções, aos médios possíveis soluções e aos pobres
apenas o desejo de realizações impossíveis dentro da nossa sociedade infeliz e
católica.
Nossos
folguedos são como nossos índios, que se retirados das matas, adoecem, morrem,
desaparecem. Nossos brinquedos são do povo, para serem brincados no meio do
povo. São o lazer, a alegria e a vida desse povo. Para preserva-los e
fortifica-los devemos deixa-los livres e contribuir para essa liberdade.
O Mamulengo
é um brinquedo do povo feito para o próprio povo. Onde “a matéria do homem
junta-se à matéria do boneco para uma transfiguração. A alma do homem dá ao
boneco também uma alma. E, nesta pureza realizam um ato poético.”*
Valdeck de Garanhuns
*Hermílio Borba Filho –
Fisionomia e Espírito do Mamulengo
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