Por: Weslley
Moreira de Almeida
As
experiências infantis, guardadas na memória, chegam à equivalência de poesia
pelas mãos de alguns poetas. A infância é um lugar onde o poético surge de
brincadeira. Nela encontramos fecundo material para o fazer poético, pois ali
temos o espanto com as coisas “óbvias” da vida. A linguagem está ainda
naturalmente brincando na sua formação. Por isso, há uma fluente transgressão
linguística, o que muito serve à poética das despalavras, tão percorrida por
Manoel de Barros.
O poeta
mato-grossense trilha por passos que avançam para o criançamento na seu ato
poemático. O eu lírico de seus poemas – não poucas vezes – é criança que se
lança nas sagas das palavras-brinquedos, montando sua poesia como um jogo de
lego.
O escritor é
autor de vários livros, dentre eles: Exercícios de ser criança, Cantigas para
um passarinho à toa e Poeminha em língua de brincar; onde recobra suas
infâncias (reais e imaginárias). Um dos seus versos apontam o porquê dessa sua
desenvoltura: “Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as
crianças”. A infância é fonte de aprendências para o poeta. Lá, a imaginação
fecunda não tem as prisões da vida adulta, tão pragmática.
A criança
retratada nos versos de Manoel de Barros é aquela disposta a peraltices, a
invenções: “Gostei mais de um menino que carregava água na peneira”. Os
inventos do seu eu lírico percorre as inutilezas do imaginário e ganha olhar
vesgo de criança; por isso, atinge a dimensão de poesia: “As cigarras derretiam
a tarde com seus cantos”.
Nos versos
do poeta penetram imagens da fauna e da flora de sua terra de quando criança.
Vaga-lume, cigarra, andorinha, borboleta, figueira e lírios compõem o mosaico
natural de seu quadro lírico. Comumente, na sua escrita, os seres que tem
importância são ínfimos. E, assim como os vaga-lumes na sua ínfima grandeza
pontilham de luz a escuridão, as crianças (e a infância), o mundo.
É marcante,
portanto, em toda a poesia do autor essa ânsia pelo retorno à fala primeira,
não viciada, germinal, quando as coisas estavam ainda ganhando nome. Ele
interroga: “O saber não vem das fontes?”. E expressa seu desejo:
Eu queria
aprender o idioma das árvores. Saber as canções do vento nas folhas da tarde.
Eu queria apalpar os perfumes do sol
Ele anseia,
assim, o contato direto com a nascente do poético.
Um das
coisas inerentes à infância é o ato de brincar. O autor se propõe ao lúdico nas
suas escrevências. A respeito de um personagem do seu livro em Poeminha em
língua de brincar, afirma, num verso: “Sentia mais prazer de brincar com as
palavras do que de pensar com elas”. Pensar, portanto, é prescindível no mundo
da criança (apesar desta também fazê-lo). A imaginação brincante se revela a
todo momento nesse estágio de vida. O faz de conta se instaura como lugar
paralelo, dando significado ao mundo não imaginário, enchendo-o de símbolos e
ludicidade.
Mas para o
mundo prosaico dos humanos que adultecem, a brincadeira e a imaginação são somas
iguais a nada. Contudo, como afirma o poeta: “Se o Nada desaparecer a poesia
acaba”. Disto vem a importância que ele enxerga nas coisas que “não servem para
nada”, como a infância, dando-lhes alcance de poesia: “Tudo aquilo que leva a
coisa nenhuma /e que você não pode vender no mercado/ (...) serve para poesia”.
O criançamento – estado de espírito onírico, inventivo e transgressor – é
invendável. Serve só para o encantamento poético.
(***) WESLLEY MOREIRA DE ALMEIDA é graduado
em Letras pela UEFS, especialista em Língua Inglesa pela FACINTER e faz parte
do Núcleo de Investigações Transdisciplinares NIT/UEFS, onde atua como membro
da comissão editorial do Jornal Fuxico.
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