sábado, 19 de outubro de 2013

MEMÓRIAS DE INFÂNCIA NA POÉTICA DE MANOEL DA BARROS


Por: Weslley Moreira de Almeida

As experiências infantis, guardadas na memória, chegam à equivalência de poesia pelas mãos de alguns poetas. A infância é um lugar onde o poético surge de brincadeira. Nela encontramos fecundo material para o fazer poético, pois ali temos o espanto com as coisas “óbvias” da vida. A linguagem está ainda naturalmente brincando na sua formação. Por isso, há uma fluente transgressão linguística, o que muito serve à poética das despalavras, tão percorrida por Manoel de Barros.

O poeta mato-grossense trilha por passos que avançam para o criançamento na seu ato poemático. O eu lírico de seus poemas – não poucas vezes – é criança que se lança nas sagas das palavras-brinquedos, montando sua poesia como um jogo de lego.

O escritor é autor de vários livros, dentre eles: Exercícios de ser criança, Cantigas para um passarinho à toa e Poeminha em língua de brincar; onde recobra suas infâncias (reais e imaginárias). Um dos seus versos apontam o porquê dessa sua desenvoltura: “Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças”. A infância é fonte de aprendências para o poeta. Lá, a imaginação fecunda não tem as prisões da vida adulta, tão pragmática.

A criança retratada nos versos de Manoel de Barros é aquela disposta a peraltices, a invenções: “Gostei mais de um menino que carregava água na peneira”. Os inventos do seu eu lírico percorre as inutilezas do imaginário e ganha olhar vesgo de criança; por isso, atinge a dimensão de poesia: “As cigarras derretiam a tarde com seus cantos”.

Nos versos do poeta penetram imagens da fauna e da flora de sua terra de quando criança. Vaga-lume, cigarra, andorinha, borboleta, figueira e lírios compõem o mosaico natural de seu quadro lírico. Comumente, na sua escrita, os seres que tem importância são ínfimos. E, assim como os vaga-lumes na sua ínfima grandeza pontilham de luz a escuridão, as crianças (e a infância), o mundo.

É marcante, portanto, em toda a poesia do autor essa ânsia pelo retorno à fala primeira, não viciada, germinal, quando as coisas estavam ainda ganhando nome. Ele interroga: “O saber não vem das fontes?”. E expressa seu desejo:
Eu queria aprender o idioma das árvores. Saber as canções do vento nas folhas da tarde. Eu queria apalpar os perfumes do sol

Ele anseia, assim, o contato direto com a nascente do poético.

Um das coisas inerentes à infância é o ato de brincar. O autor se propõe ao lúdico nas suas escrevências. A respeito de um personagem do seu livro em Poeminha em língua de brincar, afirma, num verso: “Sentia mais prazer de brincar com as palavras do que de pensar com elas”. Pensar, portanto, é prescindível no mundo da criança (apesar desta também fazê-lo). A imaginação brincante se revela a todo momento nesse estágio de vida. O faz de conta se instaura como lugar paralelo, dando significado ao mundo não imaginário, enchendo-o de símbolos e ludicidade.

Mas para o mundo prosaico dos humanos que adultecem, a brincadeira e a imaginação são somas iguais a nada. Contudo, como afirma o poeta: “Se o Nada desaparecer a poesia acaba”. Disto vem a importância que ele enxerga nas coisas que “não servem para nada”, como a infância, dando-lhes alcance de poesia: “Tudo aquilo que leva a coisa nenhuma /e que você não pode vender no mercado/ (...) serve para poesia”. O criançamento – estado de espírito onírico, inventivo e transgressor – é invendável. Serve só para o encantamento poético.


(***) WESLLEY MOREIRA DE ALMEIDA é graduado em Letras pela UEFS, especialista em Língua Inglesa pela FACINTER e faz parte do Núcleo de Investigações Transdisciplinares NIT/UEFS, onde atua como membro da comissão editorial do Jornal Fuxico. 

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