Presidente
do Araruna, Geane Gomes, recebe membros da comissão
do Folclore Severino
Vicente e Gutenberg Costa
Por: Yuno Silva
A frase
“Araruna Passado, Presente e Futuro”, escrita em uma das paredes desbotadas da
sede da associação “Araruna, Sociedade de Danças Antigas e Semidesaparecidas”
nas Rocas, soa como um suspiro, um último grito de alerta e de esperança se
considerado o contexto em que se encontra o grupo criado em 1956 pelo Mestre
Cornélio Campina com incentivo do escritor e pesquisador Luís da Câmara
Cascudo. O imóvel, doado pelo ex-prefeito Djalma Maranhão, nunca passou por uma
reforma e os ensaios estão suspensos.
“Mantenho o
bar aberto, mas não posso investir todo o apurado no Araruna. Tenho filhos,
conta pra pagar. Sabia que o abacaxi era grande, mas não que a situação estava
tão ruim”, desabafou Geane Gomes, 37, bisneta do Mestre Cornélio Campina
(1908-2008) e atual presidente do Araruna.
Ela parou de
usar o salão de ensaios devido os riscos: não é preciso ser especialista para
constatar problemas nas instalações elétricas, ainda originais, feita com dutos
de metal; e a fragilidade do telhado. O prédio conserva a mesma estrutura,
portas, janelas e grades, de quando foi construído. O madeiramento está
comprometido e as telhas de zinco e fibrocimento (tipo Brasilit/Eternit)
apresentam rachaduras e buracos que não evitam do salão inundar a cada chuva.
“As telhas estão soltas, então colocamos paralelepípedos lá em cima para não
deixar elas voarem”, confessa Geane. “Não queremos dinheiro, queremos ajuda
para reformar a sede”.
Herdeira do
grupo popular que apresenta uma mistura de danças antigas e tradicionais –
entre elas a valsa, polca e xote nordestino –, ela explicou que os problemas só
aumentam com a falta de incentivo público, os cada vez mais raros convites para
participar de eventos e a falta da renda extra proveniente do aluguel do salão
para festas particulares. “Parei de usar (o salão), nem alugar para festas, que
é quando poderia entrar algum dinheiro para o grupo, estou fazendo mais”.
Impedido de
participar de editais por causa de restrições fiscais: o Araruna registra
pendências na Receita Federal e dívidas com IPTU. “Até hoje aguardamos o
cumprimento da lei que isenta entidades culturais sem fins lucrativos de pagar
o imposto municipal”, disse Geane Gomes, explicando que as pendências também
dificultam contratações pois o grupo não consegue emitir certidões negativas.
“Meu pai
(Mestre Cornélio Campina foi quem criou a bisneta) pediu para não deixar o
Araruna se acabar, mas a situação está difícil. Temos poucos dançarinos e às
vezes estamos só com dois casais. Depois que Mestre Cornélio morreu esqueceram
da gente”, lamentou. Geane recorda que quando Cornélio era vivo ela não parava
de trabalhar pelo grupo: “Insistia por uma apresentação na Fundação José
Augusto e na Capitania das Artes. Era respeitado, as pessoas o recebiam, hoje
nem indo atrás a gente consegue”. Ela ainda reclama o atraso no recebimento de
cachê, referente a uma apresentação no Teatro Alberto Maranhão há quatro meses,
contratada pela FJA. “Estou indo lá hoje (ontem) para ver o que aconteceu, se
está faltando alguma documentação para liberar logo esse pagamento”
A presidente
contou que os dançarinos mais antigos estão deixando o grupo em virtude da
idade avançada e/ou problemas de saúde, enquanto os mais jovens, sem incentivo,
consideram o Araruna um grupo de dança para velhos. “Temos figurino, e, quando
muito, ainda consigo reunir uns quatro casais mais assíduos”.
Precariedade comprovada
O Ministério
Público do RN instaurou o Inquérito Civil número 18/2010 para tratar da
precariedade de funcionamento do Araruna, e no próximo dia 19 de agosto haverá
nova audiência entre representantes do grupo e da Fundação Capitania das Artes.
A
Notificação 091/2014, emitida pelo MP dia 26 de junho e assinada pelo promotor
de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, João Batista Machado Barbosa, detalha o
Termo do Ajuste de Conduta – TAC, onde a Funcarte deve “promover,
preferencialmente, uma vez por semana, nos meses de janeiro, fevereiro e
agosto, ensaios do Araruna no pátio do Museu de Cultura Popular, na Ribeira, e
outros locais de igual visibilidade, fornecendo os meios necessários a esse
fim”. O segundo ponto do TAC diz respeito ao tombamento da sede do grupo,
localizada na Rua Miramar, 173, Rocas; enquanto o terceiro item sugere o
registro do Araruna no Livro das Formas de Expressão do Patrimônio Imaterial do
Ministério da Cultura.
Um acordo já
foi tentado na gestão passada, em novembro de 2010, mas o acerto foi
descumprido; agora o MP estipulou multa diária de R$ 500, caso a
Prefeitura/Funcarte não cumpra com o TAC.
Comissão do Folclore
O VIVER
convidou a Comissão Estadual de Folclore para acompanhar a visita à sede do
Araruna, nas Rocas. “O projeto de tombamento imaterial foi feito por nós”,
lembrou Severino Vicente, folclorista potiguar que atualmente responde pela
presidência da Comissão Nacional. Vicente destacou que as comissões estadual e
nacional não possuem orçamento próprio e que a função “é acompanhar,
assessorar, defender e denunciar. Se passarmos a mexer com dinheiro ficamos
amarrados (pelo ‘Sistema’)”, diz.
O
folclorista Gutenberg Costa, presidente da Comissão Estadual de Folclore,
também esteve no local e constatou: “A situação da sede do Araruna não admite
burocracia, é preciso agir urgente para evitar o pior (o prédio desabar e/ou o
Araruna desaparecer)”. Gutenberg e Severino não souberam explicar por que a
associação “Araruna, Sociedade de Danças Antigas e Semidesaparecidas” ainda não
está contemplada na lei municipal que isenta entidades culturais de recolher o
IPTU.
Memória
A Associação
“Araruna, Sociedade de Danças Antigas e Semidesaparecidas”, fundada em 24 de
julho de 1956, pelo Mestre Cornélio Campina (1908-2008), apresenta uma mistura
de danças antigas e tradicionais – entre elas a valsa, polca e xote nordestino.
As coreografias do grupo derivam de movimentos dos salões europeus e de
referências locais. O Araruna surgiu incentivado pelo escritor e pesquisador
Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), que batizou o grupo, e com apoio do
ex-prefeito Djalma Maranhão, que doou o imóvel nas Rocas. A primeira
apresentação aconteceu no Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão.
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