sexta-feira, 18 de julho de 2014

A VIDA LATENTE DO ARARUNA


Presidente do Araruna, Geane Gomes, recebe membros da comissão 
do Folclore Severino Vicente e Gutenberg Costa
 Por: Yuno Silva

A frase “Araruna Passado, Presente e Futuro”, escrita em uma das paredes desbotadas da sede da associação “Araruna, Sociedade de Danças Antigas e Semidesaparecidas” nas Rocas, soa como um suspiro, um último grito de alerta e de esperança se considerado o contexto em que se encontra o grupo criado em 1956 pelo Mestre Cornélio Campina com incentivo do escritor e pesquisador Luís da Câmara Cascudo. O imóvel, doado pelo ex-prefeito Djalma Maranhão, nunca passou por uma reforma e os ensaios estão suspensos.

“Mantenho o bar aberto, mas não posso investir todo o apurado no Araruna. Tenho filhos, conta pra pagar. Sabia que o abacaxi era grande, mas não que a situação estava tão ruim”, desabafou Geane Gomes, 37, bisneta do Mestre Cornélio Campina (1908-2008) e atual presidente do Araruna.

Ela parou de usar o salão de ensaios devido os riscos: não é preciso ser especialista para constatar problemas nas instalações elétricas, ainda originais, feita com dutos de metal; e a fragilidade do telhado. O prédio conserva a mesma estrutura, portas, janelas e grades, de quando foi construído. O madeiramento está comprometido e as telhas de zinco e fibrocimento (tipo Brasilit/Eternit) apresentam rachaduras e buracos que não evitam do salão inundar a cada chuva. “As telhas estão soltas, então colocamos paralelepípedos lá em cima para não deixar elas voarem”, confessa Geane. “Não queremos dinheiro, queremos ajuda para reformar a sede”.

Herdeira do grupo popular que apresenta uma mistura de danças antigas e tradicionais – entre elas a valsa, polca e xote nordestino –, ela explicou que os problemas só aumentam com a falta de incentivo público, os cada vez mais raros convites para participar de eventos e a falta da renda extra proveniente do aluguel do salão para festas particulares. “Parei de usar (o salão), nem alugar para festas, que é quando poderia entrar algum dinheiro para o grupo, estou fazendo mais”.

Impedido de participar de editais por causa de restrições fiscais: o Araruna registra pendências na Receita Federal e dívidas com IPTU. “Até hoje aguardamos o cumprimento da lei que isenta entidades culturais sem fins lucrativos de pagar o imposto municipal”, disse Geane Gomes, explicando que as pendências também dificultam contratações pois o grupo não consegue emitir certidões negativas.

“Meu pai (Mestre Cornélio Campina foi quem criou a bisneta) pediu para não deixar o Araruna se acabar, mas a situação está difícil. Temos poucos dançarinos e às vezes estamos só com dois casais. Depois que Mestre Cornélio morreu esqueceram da gente”, lamentou. Geane recorda que quando Cornélio era vivo ela não parava de trabalhar pelo grupo: “Insistia por uma apresentação na Fundação José Augusto e na Capitania das Artes. Era respeitado, as pessoas o recebiam, hoje nem indo atrás a gente consegue”. Ela ainda reclama o atraso no recebimento de cachê, referente a uma apresentação no Teatro Alberto Maranhão há quatro meses, contratada pela FJA. “Estou indo lá hoje (ontem) para ver o que aconteceu, se está faltando alguma documentação para liberar logo esse pagamento”

A presidente contou que os dançarinos mais antigos estão deixando o grupo em virtude da idade avançada e/ou problemas de saúde, enquanto os mais jovens, sem incentivo, consideram o Araruna um grupo de dança para velhos. “Temos figurino, e, quando muito, ainda consigo reunir uns quatro casais mais assíduos”.

Precariedade comprovada
O Ministério Público do RN instaurou o Inquérito Civil número 18/2010 para tratar da precariedade de funcionamento do Araruna, e no próximo dia 19 de agosto haverá nova audiência entre representantes do grupo e da Fundação Capitania das Artes.

A Notificação 091/2014, emitida pelo MP dia 26 de junho e assinada pelo promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, João Batista Machado Barbosa, detalha o Termo do Ajuste de Conduta – TAC, onde a Funcarte deve “promover, preferencialmente, uma vez por semana, nos meses de janeiro, fevereiro e agosto, ensaios do Araruna no pátio do Museu de Cultura Popular, na Ribeira, e outros locais de igual visibilidade, fornecendo os meios necessários a esse fim”. O segundo ponto do TAC diz respeito ao tombamento da sede do grupo, localizada na Rua Miramar, 173, Rocas; enquanto o terceiro item sugere o registro do Araruna no Livro das Formas de Expressão do Patrimônio Imaterial do Ministério da Cultura.

Um acordo já foi tentado na gestão passada, em novembro de 2010, mas o acerto foi descumprido; agora o MP estipulou multa diária de R$ 500, caso a Prefeitura/Funcarte não cumpra com o TAC.

Comissão do Folclore
O VIVER convidou a Comissão Estadual de Folclore para acompanhar a visita à sede do Araruna, nas Rocas. “O projeto de tombamento imaterial foi feito por nós”, lembrou Severino Vicente, folclorista potiguar que atualmente responde pela presidência da Comissão Nacional. Vicente destacou que as comissões estadual e nacional não possuem orçamento próprio e que a função “é acompanhar, assessorar, defender e denunciar. Se passarmos a mexer com dinheiro ficamos amarrados (pelo ‘Sistema’)”, diz.

O folclorista Gutenberg Costa, presidente da Comissão Estadual de Folclore, também esteve no local e constatou: “A situação da sede do Araruna não admite burocracia, é preciso agir urgente para evitar o pior (o prédio desabar e/ou o Araruna desaparecer)”. Gutenberg e Severino não souberam explicar por que a associação “Araruna, Sociedade de Danças Antigas e Semidesaparecidas” ainda não está contemplada na lei municipal que isenta entidades culturais de recolher o IPTU.

Memória
A Associação “Araruna, Sociedade de Danças Antigas e Semidesaparecidas”, fundada em 24 de julho de 1956, pelo Mestre Cornélio Campina (1908-2008), apresenta uma mistura de danças antigas e tradicionais – entre elas a valsa, polca e xote nordestino. As coreografias do grupo derivam de movimentos dos salões europeus e de referências locais. O Araruna surgiu incentivado pelo escritor e pesquisador Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), que batizou o grupo, e com apoio do ex-prefeito Djalma Maranhão, que doou o imóvel nas Rocas. A primeira apresentação aconteceu no Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão.



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