domingo, 27 de julho de 2014

SERTÃO DE MITOS E AFETOS

Em “miniSertão”, Nonato faz uma releitura dos mitos, lendas e geografia
sertanejas, e apresenta uma paisagem livre das abstrações místicas

Por: Yuno Silva

“O meu ‘miniSertão’ dialoga com o ‘Grande Sertão: Veredas’ de Euclides da Cunha. Ele e Graciliano Ramos são os patronos deste livro”, resume o poeta Nonato Gurgel, que coleciona versos há três décadas e enxerga a compilação como “uma declaração de amor ao Sertão, o sertão literário de Oswaldo Lamartine”. Potiguar de Caraúbas radicado há 16 anos no Rio de Janeiro, onde é professor de Teoria da Literatura na Universidade Rural do RJ (UFRRJ), Gurgel está de passagem por Natal para participar como convidado de uma banca de Doutorado e aproveita a ocasião para apresentar sua cria nesta quinta-feira, às 15h, no Departamento de Letras da UFRN/CCHLA.

O autor avisa que o lançamento de “miniSertão” (Editora Caetés, R$ 25) será simbólico, mas adianta que o título poderá ser encontrado no Sebo Vermelho e na Cooperativa Cultural Universitária.

Repleto de referências, o livro traz epígrafes diluídas como se fossem pistas que revelam um pouco da personalidade do autor e sua relação com o universo literário, caso de “IV – Corpo que lê” (pág. 69) que traz citação da poetisa russa Marina Tsvetaeva (1894-1941): “Os livros são nossa perdição. Os livros deram-me mais que as pessoas”. Nonato faz uma releitura dos mitos, lendas e geografia sertanejas, e apresenta uma paisagem livre das abstrações místicas: “Meu Sertão é terreno, pé no chão, e inspirado por Oswaldo Lamartine (1919-2007) tive a ousadia de misturar literatura com Agronomia”, disse o autor, ex-servidor da Emater.

Apesar de impregnadas pela atmosfera do Sertão do Seridó, as poesias de Nonato não se enquadram no que costumam chamar de ‘leitura regional’. “É um livro de memórias, colhidas em andanças pelo Seridó e pelo sertão mineiro, com uma moldura universal, cosmopolita”, analisa o autor, confessando que demorou a aceitar que o Sertão era o grande personagem do livro. “Sem ele (o Sertão) não haveria nada para publicar”.

Escritor de ritmo lento, é nítido o cuidado com que cada palavra, cada frase e cada verso se interligam, como em uma colcha de retalhos tecida infinitamente. “Acho que vou passar a vida (re)escrevendo esse livro, pois já penso penso em uma segunda edição com pelo menos 20 alterações. Não penso em outro livro, e sim em lapidar este”.

Para Nonato Gurgel “miniSertão” funciona como o trailer de um filme que traz as várias fases de sua vida, suas leituras e suas influências, tanto que o prefácio é substituído pela ‘voz’ do poeta Jorge Fernandes (1887-1953): em uma carta para Câmara Cascudo (1898-1986) o modernista escreveu “ande vire”, como uma sugestão para o leitor seguir em frente.

Gurgel trabalha a tanto tempo no projeto que a primeira ‘boneca’ do livro mereceu comentário do jurista, professor e pesquisador Veríssimo de Melo (1921-1996), em artigo publicado nesta TRIBUNA DO NORTE em dezembro de 1993. O trecho a seguir acabou indo parar na contracapa do livro: “Poesia de primeira água. Excelente por todos os capítulos... Há miniaturas de Nonato que são magníficas da paisagem nordestina... A luz que ilumina a maioria dos seus versos anuncia uma visão nova das coisas e do mundo”.

POEMA
Natal, Av. Junqueira Aires

“A vereda em vez do elevador”, Câmara Cascudo

Para Aluísio Barros que foi comigo
(o autor relembra em versos a visita que fez a Cascudo)

Ouvimos na chegada
sou mouco vejam bem
não façam perguntas

Paredes assinadas
e livros do chão até
o teto do homem
que leciona sertão:

“você tem o direito
de subir a montanha
pela vereda que escolheu

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