Em
“miniSertão”, Nonato faz uma releitura dos mitos, lendas e geografia
sertanejas,
e apresenta uma paisagem livre das abstrações místicas
Por: Yuno Silva
“O meu
‘miniSertão’ dialoga com o ‘Grande Sertão: Veredas’ de Euclides da Cunha. Ele e
Graciliano Ramos são os patronos deste livro”, resume o poeta Nonato Gurgel,
que coleciona versos há três décadas e enxerga a compilação como “uma
declaração de amor ao Sertão, o sertão literário de Oswaldo Lamartine”.
Potiguar de Caraúbas radicado há 16 anos no Rio de Janeiro, onde é professor de
Teoria da Literatura na Universidade Rural do RJ (UFRRJ), Gurgel está de
passagem por Natal para participar como convidado de uma banca de Doutorado e
aproveita a ocasião para apresentar sua cria nesta quinta-feira, às 15h, no
Departamento de Letras da UFRN/CCHLA.
O autor
avisa que o lançamento de “miniSertão” (Editora Caetés, R$ 25) será simbólico,
mas adianta que o título poderá ser encontrado no Sebo Vermelho e na
Cooperativa Cultural Universitária.
Repleto de
referências, o livro traz epígrafes diluídas como se fossem pistas que revelam
um pouco da personalidade do autor e sua relação com o universo literário, caso
de “IV – Corpo que lê” (pág. 69) que traz citação da poetisa russa Marina
Tsvetaeva (1894-1941): “Os livros são nossa perdição. Os livros deram-me mais
que as pessoas”. Nonato faz uma releitura dos mitos, lendas e geografia
sertanejas, e apresenta uma paisagem livre das abstrações místicas: “Meu Sertão
é terreno, pé no chão, e inspirado por Oswaldo Lamartine (1919-2007) tive a
ousadia de misturar literatura com Agronomia”, disse o autor, ex-servidor da
Emater.
Apesar de
impregnadas pela atmosfera do Sertão do Seridó, as poesias de Nonato não se
enquadram no que costumam chamar de ‘leitura regional’. “É um livro de memórias,
colhidas em andanças pelo Seridó e pelo sertão mineiro, com uma moldura
universal, cosmopolita”, analisa o autor, confessando que demorou a aceitar que
o Sertão era o grande personagem do livro. “Sem ele (o Sertão) não haveria nada
para publicar”.
Escritor de
ritmo lento, é nítido o cuidado com que cada palavra, cada frase e cada verso
se interligam, como em uma colcha de retalhos tecida infinitamente. “Acho que
vou passar a vida (re)escrevendo esse livro, pois já penso penso em uma segunda
edição com pelo menos 20 alterações. Não penso em outro livro, e sim em lapidar
este”.
Para Nonato
Gurgel “miniSertão” funciona como o trailer de um filme que traz as várias
fases de sua vida, suas leituras e suas influências, tanto que o prefácio é
substituído pela ‘voz’ do poeta Jorge Fernandes (1887-1953): em uma carta para
Câmara Cascudo (1898-1986) o modernista escreveu “ande vire”, como uma sugestão
para o leitor seguir em frente.
Gurgel
trabalha a tanto tempo no projeto que a primeira ‘boneca’ do livro mereceu
comentário do jurista, professor e pesquisador Veríssimo de Melo (1921-1996),
em artigo publicado nesta TRIBUNA DO NORTE em dezembro de 1993. O trecho a
seguir acabou indo parar na contracapa do livro: “Poesia de primeira água.
Excelente por todos os capítulos... Há miniaturas de Nonato que são magníficas
da paisagem nordestina... A luz que ilumina a maioria dos seus versos anuncia
uma visão nova das coisas e do mundo”.
POEMA
Natal, Av. Junqueira Aires
“A vereda em vez do elevador”,
Câmara Cascudo
Para Aluísio Barros que foi
comigo
(o autor relembra em versos a
visita que fez a Cascudo)
Ouvimos na chegada
sou mouco vejam bem
não façam perguntas
Paredes assinadas
e livros do chão até
o teto do homem
que leciona sertão:
“você tem o direito
de subir a montanha
pela vereda que escolheu
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