Por Sérgio Rodrigues
BLOG TODO PROSA – VEJA
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“A geração superficial – O que a internet está fazendo com os nossos cérebros” (Agir, 384 páginas) é o livro que consolidou a posição do jornalista americano Nicholas Carr como principal crítico cultural do mundo digital.
O livro nasceu de um artigo polêmico que Carr publicou em 2008, chamado “O Google está nos deixando burros?”, comentado na época aqui no blog. A tese central é a mesma: ao nos ensinar a ler de outra forma – veloz, horizontal, volúvel, interativa, baseada na satisfação imediata –, a tecnologia digital está reprogramando nossas mentes no nível bioquímico, devido a uma característica do cérebro chamada neuroplasticidade. Em consequência disso, a capacidade da espécie de acompanhar raciocínios longos e mergulhar sem distração na solução de um problema complexo pode estar simplesmente em vias de extinção.
Se a ideia central já constava do artigo de 2008, “A geração superficial” sustenta o pessimismo de seu autor com uma impressionante variedade de informações históricas, científicas, econômicas etc. Consegue manter no ar todos esses malabares sem perder a atenção do leitor – isto é, daquele leitor que ainda for capaz de prestar atenção em um texto com mais de cinco linhas.
Carr não é um luddita, um reacionário. Sabe que voltar ao império da cultura livresca em que vivemos por séculos, com sua leitura linear e sua concentração em uma tarefa mental de cada vez, é impossível. Tanto quanto teria sido, para os contemporâneos de Gutenberg, desinventar a imprensa.
Essa inevitabilidade histórica não o impede de recuar dois passos em busca de uma visão distanciada daquilo que a maioria de nós percebe apenas como vertigem, quando percebe: ao revolucionar profundamente, em poucos anos, o modo como lemos, aprendemos, trabalhamos, nos divertimos, nos relacionamos, consumimos, a cultura digital está mexendo profundamente em… nós mesmos. Estamos ganhando algo, obviamente: ninguém entrou nisso a contragosto. Mas estamos perdendo algo também.
Evidentemente, Nicholas Carr não é o único a pensar assim. À medida que reflui o deslumbramento com as inegáveis maravilhas do mundo digital, tem crescido nos últimos anos a sensação de que a capacidade de concentração é um bem que merece ser preservado a qualquer custo. Há alguns meses, publiquei aqui um artigo chamado “Concentração dividirá o mundo entre senhores e escravos”, que trata justamente disso. Do outro lado do ringue, não faltam também os que abraçam sem reservas todos os impactos psicossociais das novas tecnologias.
Esse debate vai render por muito tempo. É difícil enxergar com clareza os efeitos de uma revolução quando se está no meio dela. O notável livro de Carr tenta fabricar luz na escuridão mantendo um pé no novo ambiente e o outro no velho: o fôlego argumentativo e a qualidade do texto são típicos da era livresca, enquanto a mobilização de informações ecléticas paga tributo ao jeito Google de absorver o mundo.
É o Google, aliás, o personagem principal daquele que me pareceu o mais luminoso argumento de Carr – e também o mais assustador. Trata-se de uma analogia simples entre as ideias de Frederick Winslow Taylor, engenheiro industrial do século 19 responsável pela criação do método de repetição mecânica de tarefas que viria a dar na linha de montagem de Henry Ford, e a filosofia de processamento de informações que norteia a mais bem sucedida empresa da era digital. Como um operário cuja única função é apertar determinado parafuso, o bom internauta tem a função de clicar, quanto mais depressa melhor, e manter a máquina girando. Parar para pensar não é só um luxo: é contraproducente.
E ainda nem falamos de como fica a velha literatura nesse quadro. Quarta-feira eu continuo.
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