"Este
texto é para dizer que a morte de João Barreto de Medeiros Filho,
o Manoca, me
deixou mal"
Por: Conrado Carlos - Editor de
Cultura
Há pouco
mais de cinco meses Manoca passou na sede de O Jornal de Hoje para deixar uma
cópia de seu CD “O som que vem”. Sempre educado em sua aparência frágil e
pacata, ele demonstrava empolgação com o material que lhe custara dois anos e
alguns milhares de reais, pois bancado do próprio bolso, impaciente que era com
leis de incentivo à cultura. Manoca disse, durante a entrevista, que preferia
gastar dinheiro, mas ter independência e agilidade. Foi a primeira e única vez
que nos falamos pessoalmente.
Cerca de
três anos antes tinha ligado em sua casa para uma breve e superficial tentativa
de arrancar conhecimento do professor da Escola de Música da UFRN, chancelado
por meio mundo como um dos melhores instrumentistas já nascidos entre os
potiguares. Pensava em colher dois ou três bons depoimentos e uma lista com as
dez músicas que marcaram sua vida (que reproduzo no final deste texto com
comentários feitos pelo próprio). O que eu tive naquele telefone, entretanto,
foi uma verdadeira aula à distância de um profundo conhecedor de sua paixão.
Foram mais
de sessenta minutos em que ele transitou entre erudição e didatismo,
preocupando-se a cada instante em conferir se o interlocutor aqui estava
atento. Isso era 2010 e falamos pouco sobre vida pessoal. O que foi feito em
junho passado, quando do lançamento de “O som que vem”.
Manoca falou
sobre o tempo em que ouvia Kansas e Queen no programa Rock in Concert, da Rede
Globo (final dos 70s); dos estudos e perrengues no Rio de Janeiro, vivido pelo
então menino de 20 anos que lutava pelo sonho de ser músico profissional,
animado com a repercussão de sua banda Fluídos, uma das primeiras do rock
papa-jerimum, lá pelos idos de 1984, 1985.
E também
abriu o jogo sobre o suicídio do pai, por essa mesma época em que estava na
capital carioca. Senti nostalgia em sua voz, o que é normal, ainda que tenha
destacado o apoio que recebeu para ser músico e abandonar o curso de farmácia.
“Imagine seu pai dar essa força?”, disse Manoca, um cara que só gerava elogios
no meio artístico local. O tema suicídio foi discutido na entrevista, mas como
tinha optado em não mencionar o fato na matéria, confesso que esqueci os
detalhes. Só que eles voltaram na tarde de ontem, segunda-feira, 25 de novembro
de 2013.
Recebi uma
mensagem às 11h17. “Amigo, fiquei sabendo agora q Manoca cometeu suicídio, vc
sabe de mais alguma coisa? Q notícia triste…”. Desse jeito, palavras escassas,
duras, chocantes. Confirmei nos sites e em redes sociais que meu amigo não
estava delirando. Manoca fora encontrado morto em seu apartamento no Tirol e o
maior ato de rebeldia contra a existência humana era a causa mais provável.
Tentei evitar as lágrimas em vão, como se tudo aquilo tivesse a ver comigo,
algum parente morto, não sei. De repente a tarde acinzentou.
Talvez você
tenha outra definição para ficar emocionado, deprimido, triste com a morte de
alguém fora de sua família. Estamos tão acostumados com violência e com a
exploração da desgraça alheia na mídia que ouvir a frase “Fulano morreu” vira
mais uma em um mar de tragédias cotidianas. Em meu caso, sinto uma proximidade
inexplicável com a vítima, se tiver tido qualquer contato com ela, e fico para
baixo. Este texto é para dizer que a morte de João Barreto de Medeiros Filho, o
Manoca, me deixou mal.
Se
confirmado o auto sacrifício, aumenta a perplexidade. A prática vasculhada por
intelectuais desde Antiguidade é a vitória dos tormentos, do Eu sombrio, dos
segredos guardados, dos traumas sem solução. “I’ll never look into your eyes
again” (eu nunca olharei em seus olhos de novo), insistiu Jim Morrison em The
End. É o que a família de Manoca pensa desde ontem. Nunca mais, Manoca. Nunca
mais. Deixo estas sinceras palavras como um registro da admiração e simpatia
que sentia por quem resolveu terminar o show sozinho. Uma pena sem tamanho.
(**) FONTE: Jornal de Hoje
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