terça-feira, 26 de novembro de 2013

MANOCA: UM DOS MELHORES INSTRUMENTISTAS JÁ NASCIDOS ENTRE OS POTIGUARES


"Este texto é para dizer que a morte de João Barreto de Medeiros Filho, 
o Manoca, me deixou mal"

Por: Conrado Carlos - Editor de Cultura

Há pouco mais de cinco meses Manoca passou na sede de O Jornal de Hoje para deixar uma cópia de seu CD “O som que vem”. Sempre educado em sua aparência frágil e pacata, ele demonstrava empolgação com o material que lhe custara dois anos e alguns milhares de reais, pois bancado do próprio bolso, impaciente que era com leis de incentivo à cultura. Manoca disse, durante a entrevista, que preferia gastar dinheiro, mas ter independência e agilidade. Foi a primeira e única vez que nos falamos pessoalmente.

Cerca de três anos antes tinha ligado em sua casa para uma breve e superficial tentativa de arrancar conhecimento do professor da Escola de Música da UFRN, chancelado por meio mundo como um dos melhores instrumentistas já nascidos entre os potiguares. Pensava em colher dois ou três bons depoimentos e uma lista com as dez músicas que marcaram sua vida (que reproduzo no final deste texto com comentários feitos pelo próprio). O que eu tive naquele telefone, entretanto, foi uma verdadeira aula à distância de um profundo conhecedor de sua paixão.

Foram mais de sessenta minutos em que ele transitou entre erudição e didatismo, preocupando-se a cada instante em conferir se o interlocutor aqui estava atento. Isso era 2010 e falamos pouco sobre vida pessoal. O que foi feito em junho passado, quando do lançamento de “O som que vem”.

Manoca falou sobre o tempo em que ouvia Kansas e Queen no programa Rock in Concert, da Rede Globo (final dos 70s); dos estudos e perrengues no Rio de Janeiro, vivido pelo então menino de 20 anos que lutava pelo sonho de ser músico profissional, animado com a repercussão de sua banda Fluídos, uma das primeiras do rock papa-jerimum, lá pelos idos de 1984, 1985.
E também abriu o jogo sobre o suicídio do pai, por essa mesma época em que estava na capital carioca. Senti nostalgia em sua voz, o que é normal, ainda que tenha destacado o apoio que recebeu para ser músico e abandonar o curso de farmácia. “Imagine seu pai dar essa força?”, disse Manoca, um cara que só gerava elogios no meio artístico local. O tema suicídio foi discutido na entrevista, mas como tinha optado em não mencionar o fato na matéria, confesso que esqueci os detalhes. Só que eles voltaram na tarde de ontem, segunda-feira, 25 de novembro de 2013.

Recebi uma mensagem às 11h17. “Amigo, fiquei sabendo agora q Manoca cometeu suicídio, vc sabe de mais alguma coisa? Q notícia triste…”. Desse jeito, palavras escassas, duras, chocantes. Confirmei nos sites e em redes sociais que meu amigo não estava delirando. Manoca fora encontrado morto em seu apartamento no Tirol e o maior ato de rebeldia contra a existência humana era a causa mais provável. Tentei evitar as lágrimas em vão, como se tudo aquilo tivesse a ver comigo, algum parente morto, não sei. De repente a tarde acinzentou.

Talvez você tenha outra definição para ficar emocionado, deprimido, triste com a morte de alguém fora de sua família. Estamos tão acostumados com violência e com a exploração da desgraça alheia na mídia que ouvir a frase “Fulano morreu” vira mais uma em um mar de tragédias cotidianas. Em meu caso, sinto uma proximidade inexplicável com a vítima, se tiver tido qualquer contato com ela, e fico para baixo. Este texto é para dizer que a morte de João Barreto de Medeiros Filho, o Manoca, me deixou mal.

Se confirmado o auto sacrifício, aumenta a perplexidade. A prática vasculhada por intelectuais desde Antiguidade é a vitória dos tormentos, do Eu sombrio, dos segredos guardados, dos traumas sem solução. “I’ll never look into your eyes again” (eu nunca olharei em seus olhos de novo), insistiu Jim Morrison em The End. É o que a família de Manoca pensa desde ontem. Nunca mais, Manoca. Nunca mais. Deixo estas sinceras palavras como um registro da admiração e simpatia que sentia por quem resolveu terminar o show sozinho. Uma pena sem tamanho.

(**) FONTE: Jornal de Hoje


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