Por: Fernanda Souza
Em: Jornal de Hoje
Quem vê
Khrystal brilhando no programa global The Voice Brasil e enchendo de orgulho os
potiguares, pode não imaginar a trajetória de luta e superação enfrentada pela
cantora. Khrystal Gleyde Saraiva Santos ou simplesmente Khrystal parece ter
sido predestinada a brilhar. Mas antes disso, viveu uma verdadeira odisséia em
busca do seu lugar ao Sol no mundo musical.
O gosto pela
música surgiu desde cedo, ainda na infância, fruto da influência de seus pais e
irmãos. O pai de Khrystal, Cícero Saraiva dos Santos, tocava violão e era
integrante do Trio Puracy, que à época, representava para o Rio Grande do Norte
o que o Trio Irakitan representava para o Brasil. O fim do grupo causou em
Cícero um sentimento de revolta e tristeza, o que lhe fez proibir, a qualquer
um dos seus filhos, seguir a carreira artística. A já decidida garota de 14
anos resistiu à imposição e seguiu o seu próprio rumo. Casou, teve uma filha e
foi em busca do seu sonho. Neste ínterim, decidiu voltar para casa. Apesar de
estar mais madura, o sentimento era de que ainda estava muito longe de alcançar
seus objetivos.
Para não se
afastar do meio musical, a jovem cantora passou a ser dançarina de uma banda de
samba e pagode e ainda enveredou como locutora de uma rádio comunitária da zona
Norte. E como boa parte dos cantores potiguares que não conseguem apoio para
direcionar suas carreiras, ela foi em busca do reduto dos “marginalizados” no
segmento. E foi no Beco da Lama que Khrystal conheceu Carlança, músico da
noite, que começou a depurar o talento da jovem. Depois, também conheceu
Pedrinho Abech, proprietário de um bar na rua Gonçalves Ledo, no centro da
cidade – que nos dias de hoje pode até ser comparado ao “The Voice do Beco da
Lama”. Era lá que ela pedia para cantar e tocar violão, mesmo sem possuir o
instrumento. Por um período de quatro horas, Khrystal aguentava o vai e vem de
bêbados e ganhava um cachê de R$ 7, além de comida. Como morava na zona Norte,
para não voltar de madrugada, também negociou dormir no palco do bar.
Já com uma
bagagem maior, Khrystal começou a ser respeitada pelos músicos, o que gerou
convites para tocar em outros locais, como o Shock Bar, em Pirangi, de
propriedade de Múcio Varela. A oportunidade lhe abriu as portas para um público
mais alternativo e mais elitizado, diferente do anterior. O jovem talento
começou a tocar com músicos respeitados do cenário local, como Junior Primata,
Rildo, Marcelo Tinoco, entre outros nomes, e desta forma ganhou “ares de
cantora”.
Foi neste
período que surgiu na vida de Khrystal, Raquel Groismann, que através do seu
conhecimento no meio passou a levar a cantora para conviver com músicos. E foi
a ligação de Raquel com o renomado produtor cultural José Dias, o princípio de
uma parceria de sucesso, que dura até hoje.
José Dias,
que mais tarde se tornaria não só o produtor como o marido de Khrystal, conta
que ainda não tinha ouvido falar da cantora. “Estava triste com o término do
Projeto Seis e Meia [o qual era produtor]. Raquel me ligou e disse que ia me
apresentar um grande talento. Lembro que Khrystal chegou de sandália japonesa,
short, blusa esgarçada e segurando o violão. Ela cantou uma música de Nando
Reis, que não era nem o meu perfil. Olhei para Sílvio Caldas, um grande amigo e
que sempre teve muita sensibilidade, e ele piscou o olho. Aí eu disse: ‘Quer
trabalhar comigo?’. Ela de pronto respondeu: ‘E você acha que eu vim aqui para
quê?’ Foi então que vi a força daquela mulher e a rebeldia do povo”, contou
José Dias.
VISIBILIDADE
O produtor
cultural mais badalado do segmento, agora tinha a responsabilidade de cuidar da
carreira de uma ilustre desconhecida. O primeiro contrato desta nova parceria
foi uma apresentação numa pousada na praia de Touros para um grupo de 200
portugueses. O cachê de Khrystal que girava em torno de R$ 7 foi para R$ 300.
Na plateia, a presença de uma dos maiores cantores pop de Portugal, Rui Veloso,
que já tinha cantado até para Paul McCartney. “Ao final do show, Rui me
procurou e fez questão de dizer que Khrystal era maravilhosa e eu estava com um
diamante na mão. Voltei para Natal em êxtase, mas me questionei: que tipo de
produtor era eu que ainda não tinha conhecido um talento como ela?”, desabafou
José Dias.
Outro
momento marcante para o produtor foi o encontro na Federação das Indústrias do
Estado do Rio Grande do Norte (Fiern) da cantora com o renomado músico Guinga,
que semeou sua ida ao Programa Sr. Brasil, apresentado por Rolando Boldrin, na
TV Cultura de São Paulo.
Ele também
conta um fato importante da trajetória da cantora, quando ela não tinha como
pagar a Ordem dos Músicos. “Mesmo vivendo na marginalidade, ela tinha esta
consciência. Pagamos o que era devido, na ocasião um débito de R$ 160, e quando
ela pegou sua carteira, agradeceu e falou: ‘Obrigada Zé, agora sou uma mulher livre’”.
Ao lado da
banda Perfume de Gardênia, Khrystal teve uma participação no Carnatal. Apesar
da excelente receptividade do show pelo público da festa, segundo José Dias,
ela teve uma atitude digna de quem sabe o que quer. Ao terminar a bela
apresentação, Khrystal, com o dedo em riste, afirmou ao produtor ter certeza
que não era aquilo que queria para sua vida.
COISA DE PRETO
Khrystal
passou a tocar em barzinhos, shoppings, projetos musicais, mais ainda seguia a
linha de músicas mais comerciais, não tendo uma identidade definida. Dessa
forma, foi feita uma renovação no repertório e inserido o coco e pinceladas de
embolada ao funk.
Foi assim
que surgiu o CD de estreia, Coisa de Preto. Mais cuidadosa com a produção,
desde cuidados com a mesa do som ao microfone do estúdio, a voz poderosa da
potiguar viajou pelo país, mais precisamente em 17 capitais e em Portugal, país
onde fez quatro shows.
Numa época
de pirataria, a cantora emplacou a venda de mais de 10 mil CDs e abrilhantou
programas nacionais como Som Brasil e Destino Brasil – Música, no Canal Brasil.
Tudo isso a credenciou para o seu segundo trabalho, o CD autoral “Dois Tempos”,
marcado pela originalidade. “Inserimos no trabalho o violão de Djavan e
terminando o disco, Khrystal deu a cara para bater. Recebemos o convite de um
amigo para ela se inscrever no The Voice e acredito que a principal função do
programa é torná-la conhecida em todo o Brasil”.
PEIXEIRA NA MÃO
Após a
apresentação no The Voice da música Carne – de autoria do Seu Jorge – que
arrancou aplausos da plateia e a fez ser escolhida por Claudia Leite para
continuar na competição, Khrystal voltou a Natal para rever a família. De
acordo com José Dias, quando ela chegou ao aeroporto Santos Dumont foi parada
por um senhor que varria o chão e ele perguntou: “Isso é Khrystal?”. Ela acenou
com a cabeça e o senhor continuou: “Poxa neguinha, você botou para f… hoje”.
José Dias completou: “Esse reconhecimento não tem preço e demonstra a enorme
abrangência do programa. Muitos dizem que sou responsável pelo sucesso de
Khrystal, mas apenas abri caminhos e sou apenas um elemento neste processo, que
conta com o apoio de personagens importantíssimos como Pedro Abech e Múcio
Varela”.
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