terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O MAESTRO DOS SERTÕES MOSTRA A RIQUEZA MUSICAL DE UMA REGIÃO ABANDONADA

A necessidade de promover a obra de Tonheca Dantas
 é a principal justificativa para esse resgate

Conrado Carlos
Editor de Cultura

Um projeto cultural grandioso, como poucas vezes observado no Estado, terá sua apoteose na noite de amanhã (11). Parte da comemoração dos 100 anos da valsa Royal Cinema, obra máxima de Tonheca Dantas, o Maestro dos Sertões, o concerto que a Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte apresentará no Teatro Riachuelo às 22h da quarta-feira tem como objetivo resgatar a memória do músico potiguar, desconhecido para a maioria dos conterrâneos e reverenciado por profissionais.

Idealizado e financiado pelo empresário Eduardo Vila (Grupo Vila), após ser interpelado por um conhecido que gostaria de ter a valsa tocada à exaustão em seu futuro velório, o projeto teve ares antropológicos, como explica o maestro da OSRN, Linus Lerner. “O Tonheca tem mais de mil obras, muitas perdidas. Às vezes, conseguimos localizar apenas uma parte de um instrumento, e dali foi reconstruída a obra completa. No concerto de amanhã, vamos tocar as obras do CD com novos arranjos, feito para uma sinfônica”.

Gaúcho radicado nos Estados Unidos há 17 anos, Linus vem a Natal uma vez por mês e enaltece a riqueza musical do país. “Eu viajo muito, já fui a mais de 40 países e posso dizer que não existe um lugar tão musical quanto o Brasil”. Sobre a valsa Royal Cinema, corre uma versão de que ela seria executada pela rádio BBC de Londres, durante a Segunda Grande Guerra, sem que o autor fosse conhecido. “É parecido com o que aconteceu com o Carlos Gomes na Itália. Minha tese de doutorado foi sobre ele. Vi que ele foi pioneiro no verismo [corrente artística italiana com registros da música e na literatura], mas ninguém sabe disso por lá”.

Com um bonito projeto gráfico, elaborado pela Criola Propaganda, o CD vem acompanhado de um DVD e CD-Rom com fotografias, partituras digitalizadas e o e-book com a biografia de Tonheca, escrita por Cláudio Galvão (A Desfolhar Saudades: uma Biografia de Tonheca Dantas). O conteúdo também está disponível de forma gratuita no site www.tonhecadantas.com.br.

As treze músicas executadas pela OSRN revelam forte influência de Johann Strauss, o vienense compositor do clássico Danúbio Azul. A ponte entre o Sertão Nordestino e a Áustria imperial do século XIX foi construída de forma misteriosa.

“As obras [de Tonheca e Strauss] são similares em estrutura e se adéquam muito bem ao formato de uma orquestra. Não sei se ele ouvia Strauss há cem anos no Sertão, no meio do nada, mas sua obra é muito europeia, provando que a raiz música brasileira é muito rica”, confirma o maestro Linus Lerner, para quem a qualidade artística nacional surge de onde menos se espera.

Para o produtor do projeto e diretor da Cooperativa da Música do Rio Grande do Norte, Cláudio Machado, a necessidade de promover a obra de Tonheca Dantas é a principal justificativa para esse resgate. “A obra de Tonheca corria (e ainda corre) o risco de ficar no ostracismo, pois embora tenha sido um autor de renome e uma referência para a música do Rio Grande do Norte, sua obra encontra-se disponível apenas no acervo de poucos grupos e admiradores, com uma quantidade pequena de registros se comparada à grandeza de seu legado”, explica no release oficial.

QUEM FOI TONHECA DANTAS

Antônio Pedro Dantas, conhecido como Tonheca Dantas (1871-1940), nasceu em Carnaúbas dos Dantas, filho de João José Dantas e da escrava alforriada Vicência Maria do Espírito Santo. Foi músico, compositor e maestro, autor de uma obra de mais de mil peças musicais. Despertou para a música ainda na infância com os irmãos, que tocavam em uma banda de música de sua cidade. Logo ele se tornou multi-instrumentista, tocando flauta, trompete, saxofone, clarinete, esse último seu instrumento preferido.   

Autodidata e sem formação musical alguma, Tonheca foi maestro da Banda de Música da Polícia Militar do Rio Grande do Norte e da Banda de Música do Corpo de Bombeiros de Belém do Pará. Entre suas obras primas, encontra-se a valsa Royal Cinema, composta em 1913 para um cinema de Natal. O ex-prefeito de Natal, Djalma Maranhão, costumava chamar Tonheca Dantas de Strauss Papa-Jerimum.


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