sábado, 22 de fevereiro de 2014

JULIÁN FUKS DIZ QUE PARA SE ESCREVER É NECESSÁRIO ACREDITAR


Em 2012, Julián Fuks integrou a seleção da tradicional revista literária britânica Granta como sendo um dos vinte melhores jovens escritores brasileiros. Filho de pais argentinos exilados no Brasil, nascido em 1981, mora em São Paulo e já publicou três livros. Sua estréia com o livro de contos Fragmentos de Alberto, Ulisses, Carolina e eu logo foi marcada pela vitória do Prêmio Nascente USP, em 2003. Com seu segundo livro, Histórias de literatura e cegueira, foi finalista nos prêmios Jabuti e Portugal Telecom. Escritor, jornalista e crítico literário, formou-se na Universidade de São Paulo em Letras e na Escola de Comunicações e Artes. Procura do romance, sua mais recente publicação, foi finalista dos prêmios Portugal Telecom, Jabuti e Prêmio São Paulo de Literatura.

• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
A primeira vez faz tempo, mal me lembro: rabisquei alguns versos e fiquei contente. Desde então oscilei entre a escrita e o silêncio, infinitas vezes. A última foi há poucos dias: a página branca se manchou de tinta e eu senti que queria ir em frente.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Assonâncias e repetições têm me assediado nos últimos tempos. Quero escrever uma palavra, quero escrever basta e colocar um ponto, mas o ouvido não deixa.

• Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Alguma poesia, ainda que não seja em versos. Algum lirismo, em meio à austeridade das notícias. Alguma idéia que eu não reconheça, que rompa a inércia dos meus pensamentos.

Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
Enquanto for presidenta, não me oponho que abdique de ficções e leia, ou releia, algo mais urgente: digamos O capital, de Marx.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Solidão e silêncio, e uma inquietude latente: a certeza de que ainda não se disse o que era preciso dizer.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Solidão e silêncio, e uma quietude atenta: a suspeita de que alguém possa ter dito o que era preciso dizer.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Sou mesquinho em palavras, e muito autocomplacente. Se chego ao final de um parágrafo já me concedo o descanso, com estúpida clemência.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Ter escrito, claro, mas ter escrito não é suficiente. Só ter escrito não sustenta o prazer. O prazer está em ter escrito e em crer, ingenuamente, por quanto tempo for possível, que escrevi bem.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
O fim do livro. Mas não me refiro a um fim geral, à substituição do objeto por seu simulacro virtual, e sim ao fim específico de cada livro — ao esquecimento inevitável que toda obra tem como destino.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Sua subserviência ao mercado, sua atenção excessiva a sucessos e fracassos, ao regime de vendas e prêmios e elogios de quarta-capa. A ignorância de que a literatura passa ao largo desses critérios descartáveis.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Diamela Eltit, escritora chilena. Tem uma potência impressionante, um olhar ferino, e rigor na construção de seus romances.

• Um livro imprescindível e um descartável.
São tantos os livros que me parece absurdo julgar imprescindível qualquer um deles, por mais perfeito e histórico que seja. Descartáveis, cito três: a Torá, a Bíblia, o Corão. Livraços, talvez, mas dispensáveis enquanto não soubermos lê-los, enquanto os julgarmos sagrados, enquanto matarmos por eles.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A insinceridade de seu autor, o falseamento. Se nem o escritor acredita em sua obra, quem poderá encontrar nela qualquer valor autêntico?

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Se cito um assunto aqui, minto. Isto é escrita. Citar um assunto impossível já seria torná-lo possível, já seria inseri-lo na literatura.

• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
No inusitado confio pouco. Aceito com humor sua ocorrência, rio com gosto, repito anedotas em alguma mesa. Para a literatura, prefiro o ordinário, prefiro os dias costumeiros.

• Quando a inspiração não vem…
Luto, perco e calo.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Se ele aceitasse o convite que aqui lhe faço, tomaria um café com Cortázar, para curtir a um só tempo seu humor e sua seriedade. Que me contasse alguma história de cronópio e depois dissertasse sobre a Nicarágua.

• O que é um bom leitor?
Aquele que deixa suas armas na entrada, deposita a bagagem num canto, se despe de expectativas, de ilusões, essas suas roupas pré-fabricadas. Aquele que se deita à cama e lê, simplesmente.

• O que te dá medo?
Contra os meus medos de infância, ideei uma infinidade de mecanismos dissipadores: ponderações, arrazoados, prudências, pudores. Hoje tenho medo dos medos que me faltam.

• O que te faz feliz?
Boas conversas com pessoas queridas pela madrugada, confissões descabidas, infrutíferos debates embriagados.

• Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
A certeza de que a realidade é sempre mais complexa do que imagino, mais plural, mais sutil, mais delicada. A dúvida – ou a certeza negativa – de que se possa apreender essa multiplicidade.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Que a frase seja, por alguma razão, mais do que a soma de suas palavras. Que o texto seja, de alguma forma, mais do que a soma de suas frases. E que isso que digo não seja plágio.

• A literatura tem alguma obrigação?
Tem a obrigação de tentar.

• Qual o limite da ficção?
O limite que cada autor encontra em sua batalha íntima com as palavras, o ponto onde o texto fracassa – e todo texto fracassa. Mas esse é ainda um limite individual. O limite da ficção talvez seja a soma de todos os limites individuais, de todos os autores do mundo. Um limite bastante amplo, pode-se notar.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Mentiria: este mundo não tem líderes, não tem hierarquia, somos todos iguais e equivalentes. Mas depois acho que o levaria, não sei, ao Laerte. O Laerte saberia compreender sua diferença.

• O que você espera da eternidade?
Que seja agradável aos que ficam. A minha que dure, digamos, até 2070, enquanto me restar algum vigor nas pernas ou nos dedos.


(***) FONTE: Jornal Rascunho

Nenhum comentário: