Em 2012,
Julián Fuks integrou a seleção da tradicional revista literária britânica
Granta como sendo um dos vinte melhores jovens escritores brasileiros. Filho de
pais argentinos exilados no Brasil, nascido em 1981, mora em São Paulo e já
publicou três livros. Sua estréia com o livro de contos Fragmentos de Alberto,
Ulisses, Carolina e eu logo foi marcada pela vitória do Prêmio Nascente USP, em
2003. Com seu segundo livro, Histórias de literatura e cegueira, foi finalista
nos prêmios Jabuti e Portugal Telecom. Escritor, jornalista e crítico
literário, formou-se na Universidade de São Paulo em Letras e na Escola de
Comunicações e Artes. Procura do romance, sua mais recente publicação, foi
finalista dos prêmios Portugal Telecom, Jabuti e Prêmio São Paulo de
Literatura.
• Quando se deu conta
de que queria ser escritor?
A primeira
vez faz tempo, mal me lembro: rabisquei alguns versos e fiquei contente. Desde
então oscilei entre a escrita e o silêncio, infinitas vezes. A última foi há
poucos dias: a página branca se manchou de tinta e eu senti que queria ir em
frente.
• Quais são suas manias
e obsessões literárias?
Assonâncias
e repetições têm me assediado nos últimos tempos. Quero escrever uma palavra,
quero escrever basta e colocar um ponto, mas o ouvido não deixa.
• Que leitura é
imprescindível no seu dia-a-dia?
Alguma
poesia, ainda que não seja em versos. Algum lirismo, em meio à austeridade das
notícias. Alguma idéia que eu não reconheça, que rompa a inércia dos meus
pensamentos.
• Se pudesse
recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
Enquanto for
presidenta, não me oponho que abdique de ficções e leia, ou releia, algo mais
urgente: digamos O capital, de Marx.
• Quais são as
circunstâncias ideais para escrever?
Solidão e
silêncio, e uma inquietude latente: a certeza de que ainda não se disse o que
era preciso dizer.
• Quais são as circunstâncias
ideais de leitura?
Solidão e
silêncio, e uma quietude atenta: a suspeita de que alguém possa ter dito o que
era preciso dizer.
• O que considera um
dia de trabalho produtivo?
Sou
mesquinho em palavras, e muito autocomplacente. Se chego ao final de um
parágrafo já me concedo o descanso, com estúpida clemência.
• O que lhe dá mais
prazer no processo de escrita?
Ter escrito,
claro, mas ter escrito não é suficiente. Só ter escrito não sustenta o prazer.
O prazer está em ter escrito e em crer, ingenuamente, por quanto tempo for
possível, que escrevi bem.
• Qual o maior inimigo
de um escritor?
O fim do
livro. Mas não me refiro a um fim geral, à substituição do objeto por seu
simulacro virtual, e sim ao fim específico de cada livro — ao esquecimento inevitável
que toda obra tem como destino.
• O que mais lhe
incomoda no meio literário?
Sua
subserviência ao mercado, sua atenção excessiva a sucessos e fracassos, ao
regime de vendas e prêmios e elogios de quarta-capa. A ignorância de que a
literatura passa ao largo desses critérios descartáveis.
• Um autor em quem se
deveria prestar mais atenção.
Diamela
Eltit, escritora chilena. Tem uma potência impressionante, um olhar ferino, e
rigor na construção de seus romances.
• Um livro
imprescindível e um descartável.
São tantos
os livros que me parece absurdo julgar imprescindível qualquer um deles, por
mais perfeito e histórico que seja. Descartáveis, cito três: a Torá, a Bíblia,
o Corão. Livraços, talvez, mas dispensáveis enquanto não soubermos lê-los,
enquanto os julgarmos sagrados, enquanto matarmos por eles.
• Que defeito é capaz
de destruir ou comprometer um livro?
A
insinceridade de seu autor, o falseamento. Se nem o escritor acredita em sua
obra, quem poderá encontrar nela qualquer valor autêntico?
• Que assunto nunca
entraria em sua literatura?
Se cito um
assunto aqui, minto. Isto é escrita. Citar um assunto impossível já seria
torná-lo possível, já seria inseri-lo na literatura.
• Qual foi o canto mais
inusitado de onde tirou inspiração?
No inusitado
confio pouco. Aceito com humor sua ocorrência, rio com gosto, repito anedotas
em alguma mesa. Para a literatura, prefiro o ordinário, prefiro os dias
costumeiros.
• Quando a inspiração
não vem…
Luto, perco
e calo.
• Qual escritor — vivo
ou morto — gostaria de convidar para um café?
Se ele
aceitasse o convite que aqui lhe faço, tomaria um café com Cortázar, para
curtir a um só tempo seu humor e sua seriedade. Que me contasse alguma história
de cronópio e depois dissertasse sobre a Nicarágua.
• O que é um bom leitor?
Aquele que
deixa suas armas na entrada, deposita a bagagem num canto, se despe de
expectativas, de ilusões, essas suas roupas pré-fabricadas. Aquele que se deita
à cama e lê, simplesmente.
• O que te dá medo?
Contra os
meus medos de infância, ideei uma infinidade de mecanismos dissipadores:
ponderações, arrazoados, prudências, pudores. Hoje tenho medo dos medos que me
faltam.
• O que te faz feliz?
Boas
conversas com pessoas queridas pela madrugada, confissões descabidas,
infrutíferos debates embriagados.
• Qual dúvida ou
certeza guia seu trabalho?
A certeza de
que a realidade é sempre mais complexa do que imagino, mais plural, mais sutil,
mais delicada. A dúvida – ou a certeza negativa – de que se possa apreender
essa multiplicidade.
• Qual a sua maior
preocupação ao escrever?
Que a frase
seja, por alguma razão, mais do que a soma de suas palavras. Que o texto seja,
de alguma forma, mais do que a soma de suas frases. E que isso que digo não
seja plágio.
• A literatura tem
alguma obrigação?
Tem a obrigação
de tentar.
• Qual o limite da
ficção?
O limite que
cada autor encontra em sua batalha íntima com as palavras, o ponto onde o texto
fracassa – e todo texto fracassa. Mas esse é ainda um limite individual. O
limite da ficção talvez seja a soma de todos os limites individuais, de todos
os autores do mundo. Um limite bastante amplo, pode-se notar.
• Se um ET aparecesse
na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Mentiria:
este mundo não tem líderes, não tem hierarquia, somos todos iguais e
equivalentes. Mas depois acho que o levaria, não sei, ao Laerte. O Laerte
saberia compreender sua diferença.
• O que você espera da
eternidade?
Que seja
agradável aos que ficam. A minha que dure, digamos, até 2070, enquanto me
restar algum vigor nas pernas ou nos dedos.
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