A busca por
moléculas naturais capazes de combater doenças em seres humanos sempre foi um
trabalho "de formiguinha" da ciência, envolvendo a coleta, isolamento
e análise de milhares de compostos de plantas, animais e micróbios da natureza,
que precisam ser testados, um a um, sobre uma grande variedade de alvos
terapêuticos. No caso de um novo projeto de pesquisa anunciado ontem, porém,
essa expressão ganha sentido literal.
Cientistas
do Brasil e dos Estados Unidos vão, literalmente, enfiar a mão em formigueiros
e coletar formigas por todo o País em busca de novas moléculas capazes de
destruir fungos, parasitas e, quem sabe, até células cancerígenas. Não nos
insetos propriamente ditos, mas nas bactérias que vivem sobre suas carapaças e
impedem que suas colônias subterrâneas sejam contaminadas por fungos nocivos à
sua sobrevivência.
O projeto
foi aprovado "com louvor" num edital conjunto dos Institutos
Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) e da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp), cujo resultado foi anunciado ontem pelo
presidente do NIH, Francis Collins, em sua primeira visita ao Brasil. O projeto
está previsto para durar cinco anos, e o valor de financiamento ainda não foi
divulgado oficialmente pelas instituições.
Mônica
Tallarico Pupo, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São
Paulo (USP) em Ribeirão Preto, é a pesquisadora principal do lado brasileiro.
Jon Clardy, de Harvard, lidera pelo lado americano.
A meta,
segundo Mônica, é isolar cerca de 500 linhagens de bactérias simbiontes de
formigas por ano, para serem testadas contra fungos infecciosos (que atacam,
principalmente, pacientes com sistema imunológico comprometido), parasitas
tropicais (em especial, os da doença de Chagas e leishmaniose) e células
tumorais.
"Vamos
começar pelas formigas agricultoras", diz ela, que já desenvolve um
projeto semelhante, de menor escala, com formigas saúvas. Agora, serão
coletadas amostras de várias espécies, de biomas brasileiros: Amazônia,
Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga.
Fazendeiras.
O termo "agricultoras" refere-se ao fato de essas formigas cultivarem
"plantações" de fungos dentro de seus formigueiros. Os pedaços de
folhas que elas carregam para dentro das colônias não é alimento para elas, mas
para os fungos – que, por sua vez, são o verdadeiro alimento das formigas.
Como todo
bom agricultor, as formigas não querem que suas plantações sejam contaminadas
por pragas – neste caso, fungos oportunistas, que não servem de alimento para
elas. E quem evita que elas carreguem esporos desses fungos para dentro dos
formigueiros são bactérias que vivem em suas carapaças e destroem rapidamente
esses organismos.
A meta dos
cientistas é estudar essas bactérias e descobrir as moléculas que elas usam
para destruir os fungos. Feito isso, a esperança é que algumas dessas moléculas
sirvam como base para o desenvolvimento de novos fármacos.
A vantagem
com relação a projetos semelhantes, que buscam moléculas com ação farmacológica
na biodiversidade, é que a "triagem inicial de bactérias já foi feita
pelas formigas", aponta Mônica.
Collins
falou com entusiasmo do projeto nesta quinta-feira, 22, na Fapesp. "Não é
uma ideia incrível?", disse. "Uma série de compostos completamente
novos poderá emergir dessa pesquisa." O projeto recebeu a melhor nota
entre todos que foram submetidos ao NIH no edital.
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