sexta-feira, 4 de abril de 2014

PASSO PARA A HISTÓRIA

Carlos Souza: Busco provocar um olhar mais sensível para aquele espaço

Por: Yuno Silva

“Por conhecer melhor a dinâmica do Passo da Pátria, através de suas ruas, vielas, desejos, amores, paixões, sofrimentos, tristezas, alegrias, homens, mulheres, espaços de negócios, de histórias ressignificadas, de códigos, simbologias, signos e manifestações, ou seja, de suas práticas e discursos, percebi que era possível apresentar outro Passo da Pátria, não aquele que só é conhecido através das páginas policiais, hostilizado, estigmatizado e deformado pela mídia como ‘lugar de bandido’ e ‘antro de miséria’. Para fugir desse senso comum, o Passo da Pátria que aqui queremos mostrar é diferente, é uma comunidade ‘marginalizada’ sim, pois vive à margem, mas é possuidora de uma história que precisa ser recontada a partir da visão de seus atores sociais, para que possa ser conhecida e respeitada”.

A declaração de Carlos Magno de Souza, historiador, professor e autor do livro “Passo da Pátria – Um lugar de memórias” (R$ 177 páginas, R$ 35) sintetiza sua intenção de revelar e preencher lacunas históricas que o tempo, o preconceito e a falta de atenção se encarregaram de apagar. Ele compartilha seu ‘tesouro’ com o público nesta sexta-feira (4), às 19h, no IFRN-Cidade Alta. A publicação sai pelo selo Sarau das Letras com apoio dos colégios Salesiano, Cei Zona Sul e Jelm. Após o lançamento, o título pode ser encontrado nas livrarias Nobel Salgado Filho e Saraiva. 

Morador da comunidade encravada entre o Rio Potengi e a linha do trem, na parte baixa da Cidade Alta, guardada por Nossa Senhora da Apresentação do alto da Pedra do Rosário, Magno materializa com a obra o desejo antigo de contar – sob a ótica de quem vive às margens do mangue – um capítulo significativo da Natal que remonta ao século 19, quando o Passo da Pátria era o principal porto e porta de entrada do comércio da capital potiguar.

Atualmente a comunidade é formada por três núcleos: Areado, Pantanal (ou Bairro de São Francisco) e a área do Passo em si, onde vivem cerca de 3,8 mil pessoas.

Com informações atualizadas, vasta iconografia e referências, o livro começou a ser pensado no início dos anos 1990, quando Carlos Magno trocou Mãe Luiza pelo Passo com dois ‘esses’ (Paço com cedilha faz referência à palácio). Cinco anos se passaram do início das entrevistas com moradores antigos, e pesquisas em arquivos públicos e de jornais, até a impressão da obra. “Trabalhei com a memória, dando visibilidade às lembranças daqueles que ainda viram todo o movimento que o Passo da Pátria viveu”.

O autor investigou vestígios culturais e sociais de um passado nem tão distante quanto parece. “(O prefeito) Djalma Maranhão e sua equipe se reuniam no Passo da Pátria para formatar o que viria a ser a cartilha do projeto educacional ‘De pé no chão também se aprende a ler’ (1961-64)”, lembrou o autor, para quem a oralidade possibilita contar a história a partir do sujeito, “de baixo para cima”: “Busco provocar um olhar mais sensível e cuidadoso para com aquele espaço”, afirma.

Os depoimentos, os arquivos e a história amealhada por Magno dão conta de uma feira que concentrava “toda a dinâmica comercial da cidade” desde a primeira década dos anos 1800 até o início da segunda metade do século 20. No Passo da Pátria funcionava o porto que abastecia o Alecrim, a Ribeira e a Cidade Alta, a linha do trem que corta o local ajudava a escoar produtos que chegavam de Macaíba e São Gonçalo do Amarante para cidades vizinhas. “O mesmo galpão ocupado pela feira livre de dia, se transformava em forró à noite”, contou Carlos Magno.

A cidade de costas

Entre as entrevistas que ajudaram a dar corpo ao conteúdo de “Passo da Pátria – Um lugar de memórias”, algumas com longos trechos transcritos, figuram desde nomes conhecidos como Dom Nivaldo Monte (1918-2006) a gente anônima como Jaime Rosendo e Antônia Silvestre. “A cidade deu as costas para essas pessoas, para o Potengi, para as comunidades ribeirinhas; lugares que guardam uma riqueza histórica e cultural oculta, e que, hoje em dia, só são lembradas quando aparecem nas páginas policiais.

O nome Passo da Pátria, contou o autor, foi dado pelo então presidente da província José Olinto Meira, que homenageou os natalenses voluntários na Guerra do Paraguai (1864-1870) e ao fato do lugar ser passagem importante, porta de entrada da cidade na época.

O jornalista Tarcísio Gurgel, que assina a orelha do livro, reforça a importância da pesquisa e da publicação: “Até onde sei com as poucas exceções – e são bem poucas, mesmo – a historiografia potiguar, seguindo uma tradição que remonta há séculos tem direcionado o seu foco para ditos protagonistas, deixando de lado o que, sob essa ótica considera irrelevante. (…) Carlos Magno desvenda para nós todos a história de uma parte da cidade que a cidade desconsiderou, e isto, torna sua experiência relevante”.



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