Obra do autor é ignorada por gestores
potiguares desde os anos 80
Morte do escritor paraibano chama a atenção
das autoridades quanto
ao valor do conhecimento como propulsor do
desenvolvimento humano e econômico
Fotografia: Canindé Soares
Por: Conrado Carlos
Em: Jornal de Hoje
Em 2005, eu
estava no primeiro ano da faculdade de jornalismo quando um professor indicou o
livro “Iniciação à Estética”, do paraibano com jeito rabugento e cara de menino
danado que arrancava sorrisos de quem o ouvia detonar o Mickey Mouse – suas
entrevistas, aulas-espetáculos ou qualquer pronunciamento eram memoráveis. O
anti-estrangeirismo (no idioma ou nos símbolos consumidos), o sotaque
nordestino acentuado, a simplicidade e a inteligência hipnotizavam a plateia.
Então, fui à
biblioteca da faculdade e constatei que tinha apenas uma cópia para a galera
toda. O liseu me fez procurar alternativas, até que alguém mencionou a
Biblioteca Câmara Cascudo. Foi quando um admirável mundo torto surgiu ao
telefone. No contato inicial, uma atendente anotou o nome do livro e me pediu
para retornar a ligação em dez minutos, pois a procura seria a olho nu e
manualmente – nada digitalizado. Tempo cumprido, ouço a negativa sobre o tomo
que um dos maiores escritores do Brasil publicou sobre pensadores e a filosofia
da estética.
Detalhe:
Ariano morava em Recife, a meros 300km de Natal. Um breve contato com sua
assessoria e toda sua obra estaria disponível aqui. Só que a turma que comandou
o Estado nas últimas três décadas esqueceu de incluir no orçamento um tantinho
de dinheiro para atualizar constantemente o acervo da instituição. Para mim,
naquele instante de empolgação com o curso e a futura carreira, foi uma
revelação de como o saber é valorizado por estas bandas – nos últimos anos, as
mil matérias sobre o abandono da construção com arquitetura soviética só
aumentou minha raiva.
Um crime
lesa-pátria potiguara e contra a família de Câmara Cascudo. Pois, bem. Creio
que em 2009, após um período em que tranquei a faculdade, outro professor
também sugeriu a leitura de “Iniciação à Estética” – a essa altura, já em minha
estante, via sebos virtuais. Repórter de Cidades do JH, eu tinha uma pauta
sobre a degradação da maior biblioteca pública do Rio Grande do Norte. “Vou
testar aquela joça”, pensei. E liguei novamente para saber se eles tinham
corrigido o erro brutal. Quanta inocência…a mulher que me atendeu pediu 30
minutos (?!) para localizá-lo.
O que,
lógico, não aconteceu. E assim a coisa ficou. Eu via Ariano Suassuna como um
militante do bom senso. Longe de ser especialista em sua produção intelectual,
nutri profunda admiração por aquele homem que defendia o que é brasileiro com a
mesma fé do barbudo muçulmano que, numa hora dessas, está maquinando o que
fazer contra Israel. Ninguém ficou surpreso com sua morte, confirmada na tarde
de ontem. Mas todos sentiram como se aquela despedida fosse um familiar. Dos
personagens da Arte Brasiliis, foi ele quem mais me fez sorrir.
À noite, com
as manchetes sobre sua morte, revi a entrevista que ele deu no Programa do Jô
sete anos atrás – época do aniversário de 80 anos. Se o amigo leitor não viu,
recomendo e aviso que a diversão é garantida. Nos primeiros minutos, ele
comenta os eventos que o homenageavam quanto à data como se soubesse o que
devem fazer de agora em diante, com sua ida para baixo da terra. “Eu tava
dizendo outro dia que estão fazendo um chamego tão grande que eu tô começando a
ficar preocupado, porque quando eu completar 160, como não vai ser?”.
A cada cinco
minutos ele arrancava gargalhadas de Jô e da plateia. Quanto ao papo de
vegetarianismo, de alimentação saudável, tão adequada para um octogenário? “Eu
não posso ser naturista, porque eu como Castro Alves, Casimiro de Abreu”. E diz
que leu em uma revista científica que o cavalo, na Idade da Pedra, assim como o
ser humano, vivia 20 anos, em média. “Aí, hoje, eu já vou com oitenta aqui, e o
cavalo continua com vinte e ele é vegetariano”. Uma maravilha que o natalense
teve a oportunidade de ver de perto, em inúmeras apresentações.
Monteiro
Lobato, certa vez, disse que “Um país se faz com homens e livros”. A frase é
tão bacana, direta e óbvia, que a mesma turma do Governo estampou no site da
Biblioteca Câmara Cascudo – solta entre aspas na home, mas sem o devido
crédito. Talvez o Brasil tenha uma dívida histórica quanto a mostrar quem são
os nossos. Ariano Suassuna se foi. Mas sua vasta obra ficou. Cabe aos ‘ômi’
trazê-la para onde ele mais gostava de estar: em meio à gente simples e
sonhadora. Seria o mínimo, para não dizer uma obrigação.
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