terça-feira, 5 de agosto de 2014

A OBRA IGNORADA DE ARIANO SUASSUNA

Obra do autor é ignorada por gestores potiguares desde os anos 80
Morte do escritor paraibano chama a atenção das autoridades quanto
ao valor do conhecimento como propulsor do desenvolvimento humano  e econômico
Fotografia: Canindé Soares

Por: Conrado Carlos
Em: Jornal de Hoje

Em 2005, eu estava no primeiro ano da faculdade de jornalismo quando um professor indicou o livro “Iniciação à Estética”, do paraibano com jeito rabugento e cara de menino danado que arrancava sorrisos de quem o ouvia detonar o Mickey Mouse – suas entrevistas, aulas-espetáculos ou qualquer pronunciamento eram memoráveis. O anti-estrangeirismo (no idioma ou nos símbolos consumidos), o sotaque nordestino acentuado, a simplicidade e a inteligência hipnotizavam a plateia.

Então, fui à biblioteca da faculdade e constatei que tinha apenas uma cópia para a galera toda. O liseu me fez procurar alternativas, até que alguém mencionou a Biblioteca Câmara Cascudo. Foi quando um admirável mundo torto surgiu ao telefone. No contato inicial, uma atendente anotou o nome do livro e me pediu para retornar a ligação em dez minutos, pois a procura seria a olho nu e manualmente – nada digitalizado. Tempo cumprido, ouço a negativa sobre o tomo que um dos maiores escritores do Brasil publicou sobre pensadores e a filosofia da estética.

Detalhe: Ariano morava em Recife, a meros 300km de Natal. Um breve contato com sua assessoria e toda sua obra estaria disponível aqui. Só que a turma que comandou o Estado nas últimas três décadas esqueceu de incluir no orçamento um tantinho de dinheiro para atualizar constantemente o acervo da instituição. Para mim, naquele instante de empolgação com o curso e a futura carreira, foi uma revelação de como o saber é valorizado por estas bandas – nos últimos anos, as mil matérias sobre o abandono da construção com arquitetura soviética só aumentou minha raiva.

Um crime lesa-pátria potiguara e contra a família de Câmara Cascudo. Pois, bem. Creio que em 2009, após um período em que tranquei a faculdade, outro professor também sugeriu a leitura de “Iniciação à Estética” – a essa altura, já em minha estante, via sebos virtuais. Repórter de Cidades do JH, eu tinha uma pauta sobre a degradação da maior biblioteca pública do Rio Grande do Norte. “Vou testar aquela joça”, pensei. E liguei novamente para saber se eles tinham corrigido o erro brutal. Quanta inocência…a mulher que me atendeu pediu 30 minutos (?!) para localizá-lo.

O que, lógico, não aconteceu. E assim a coisa ficou. Eu via Ariano Suassuna como um militante do bom senso. Longe de ser especialista em sua produção intelectual, nutri profunda admiração por aquele homem que defendia o que é brasileiro com a mesma fé do barbudo muçulmano que, numa hora dessas, está maquinando o que fazer contra Israel. Ninguém ficou surpreso com sua morte, confirmada na tarde de ontem. Mas todos sentiram como se aquela despedida fosse um familiar. Dos personagens da Arte Brasiliis, foi ele quem mais me fez sorrir.

À noite, com as manchetes sobre sua morte, revi a entrevista que ele deu no Programa do Jô sete anos atrás – época do aniversário de 80 anos. Se o amigo leitor não viu, recomendo e aviso que a diversão é garantida. Nos primeiros minutos, ele comenta os eventos que o homenageavam quanto à data como se soubesse o que devem fazer de agora em diante, com sua ida para baixo da terra. “Eu tava dizendo outro dia que estão fazendo um chamego tão grande que eu tô começando a ficar preocupado, porque quando eu completar 160, como não vai ser?”.

A cada cinco minutos ele arrancava gargalhadas de Jô e da plateia. Quanto ao papo de vegetarianismo, de alimentação saudável, tão adequada para um octogenário? “Eu não posso ser naturista, porque eu como Castro Alves, Casimiro de Abreu”. E diz que leu em uma revista científica que o cavalo, na Idade da Pedra, assim como o ser humano, vivia 20 anos, em média. “Aí, hoje, eu já vou com oitenta aqui, e o cavalo continua com vinte e ele é vegetariano”. Uma maravilha que o natalense teve a oportunidade de ver de perto, em inúmeras apresentações.

Monteiro Lobato, certa vez, disse que “Um país se faz com homens e livros”. A frase é tão bacana, direta e óbvia, que a mesma turma do Governo estampou no site da Biblioteca Câmara Cascudo – solta entre aspas na home, mas sem o devido crédito. Talvez o Brasil tenha uma dívida histórica quanto a mostrar quem são os nossos. Ariano Suassuna se foi. Mas sua vasta obra ficou. Cabe aos ‘ômi’ trazê-la para onde ele mais gostava de estar: em meio à gente simples e sonhadora. Seria o mínimo, para não dizer uma obrigação.

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