segunda-feira, 18 de agosto de 2014

OS PÉS DE BARRO DE MARINA SILVA


Por: Fábio Lau

O anúncio oficial do nome de Marina Silva na disputa das eleições presidenciais deste ano, pelo PSB, é uma questão de tempo. Mais popular que o candidato Eduardo Campos, morto em acidente aéreo no último dia 13, Marina conduzirá uma disputa praticamente sacramentada em primeiro turno, num cenário de vitória tranquila de Dilma Rousseff, para o segundo turno. E a tarefa não parece das mais difíceis: bastaria repetir a votação na sua última disputa em 2010, quando teve quase 20 milhões de votos. Além disso, que Aécio não perdesse muito do que tem conseguido apresentar nas pesquisas - 20% das intenções. Mas é agora é que o bolo desanda.

Marina Silva não é mais a santa do pau-oco de quatro anos quando poucos a conheciam ou já tinham ouvido críticas a seu respeito. Na trajetória política que se seguiu ao último pleito ela foi discutida, analisada e, claro, chamuscada por declarações que mudaram seu perfil junto àqueles que a viam como a terceira via - em geral, confundida como a alternativa moderna a um quadro consolidado da política tradicional.

A senadora se aproximou, defendeu e protegeu um político que, vamos combinar, nada mais era que a ressuscitação do boquirroto Enéas. Marcos Feliciano, um deputado que nasceu na Igreja e para ela irá retornar, emergiu na política condenando com dedo em riste negros, gays, comunistas, progressistas e qualquer coisa mais que estivesse distante da sua Bíblia pessoal. Direito da mulher ao aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, tudo o que conduzia o brasileiro na direção da autonomia e direitos individuais se tornou alvo do parlamentar.

No passado, PT e luta contra Madeireiros 


E Marina Silva, para desencanto dos que a viam moderna, saiu em seu socorro quando a sociedade organizada reagiu a intromissão religiosa no ambiente político. Disse que Feliciano era vítima de preconceito por ser evangélico. Um Estado Laico, tal e qual defende a Constituição, é elemento que ofende a fé de Marina Silva embora tente, na média dos seus dias, andar na corda bamba do compromisso republicano e da liturgia religiosa. Água e óleo não se misturam, sabemos.

Entre o macaco e Adão e Eva

Marina não aceita a tese do criacionismo: o homem seria uma evolução natural do macaco. Por dever de ofício religioso prega a crença nas figuras simbólicas de Adão e Eva. Mas finge que o assunto não é importante e diz que a Ciência está cada vez mais assimilada pela religião. Mentira. Enquanto Feliciano argumentar, e ela o defender, de teses absurdas como a do castigo divino que forjou a raça negra, Ciência e religião se manterão distantes.

A parlamentar está cada vez mais separada do perfil que a apresentou no mundo político: o da cabocla da floresta que experimentou a miséria em tempos idos. A Marina de hoje é amiga de uma das principais herdeiras do Grupo Itaú, Maria Alice Setúbal, a Neca, e recebe apoio financeiro do grupo que é o segundo mais pujante do país em arrecadação. O mesmo se dá com relação a Natura, empresa que se constrói com princípios de defesa do meio ambiente - uma das plataformas de Marina. Guilherme Leal, vice-presidente do grupo, foi vice também na sua chapa em 2010. Mas a empresa já foi condenada por demitir funcionários doentes (leia aqui) e também de Biopirataria (leia aqui). O Sindicato dos Químicos de São Paulo chegou a elaborar dossiê relatando irregularidades envolvendo a empresa (leia aqui).

Um dos maiores avanços da Ciência nas últimas décadas, as pesquisas com células-tronco, foram criticadas por Marina Silva que tentou barrar sua aprovação no Congresso. A líder religiosa, e também política, acredita que reverter quadros de paraplegia ou tetraplegia, tal e qual se busca no novo estudo, seria confrontar os desígnios de Deus. Ao paraplégico não mais seria possível além de empurrar ou ser empurrado em sua cadeira de rodas. Ponto para quem enxerga o radicalismo religioso atrapalhando avanços políticos e sociais.

Mesmo agora, ao falar sobre a morte de Eduardo Campos e sobre o fato de ter desistido de pegar o mesmo voo, Marina molhou no discurso sua religiosidade que soou ofensivo a sua audiência: a atribui não ao acaso, mas a providência divina. Para ela, a sua sobrevivência foi um desejo de Deus. E a morte de Campos, também.

Legalização das drogas é outro tema que Marina Silva se coloca contrária. Embora seja ainda controverso, com muitas autoridades no assunto se posicionando adversárias da tese, é fato que em países onde a legislação flexível foi adotada houve expressiva redução na criminalidade no universo das drogas. O Uruguai é o exemplo mais próximo.

Outra marca interessante da trajetória da acreana de 56 anos é seu pouco apego a legenda partidária. Fundadora do PT ao lado de Chico Mendes, na década de 80, ela já perambulou pelo Partido Verde, Rede Solidariedade, até finalmente assinar filiação ao PSB para ser vice de Eduardo Campos. Organicamente, seus correligionários sabem que dela não há de se esperar um fio de comprometimento com algumas posições partidárias. Como o direito ao aborto, por exemplo. Mas há um componente na sua história que ela deveria tentar explicar: ficou em terceiro lugar nas eleições presidenciais no seu estado natal, o Acre.

Partido aceita Marina e deve oficializá-la

A entrada em cena de Marina Silva no cenário político mexe muito com o mar de águas calmas que se desenhava. Se o governo sai da sua zona de conforto, com uma vantagem de votos que garantiria a vitória em primeiro turno, agora a possibilidade de segundo embate é real.

Mas engana-se quem pensa que o prejuízo maior nesta mudança será de Dilma Rousseff. Aécio era o herdeiro natural de qualquer movimentação política que ocorresse no cenário anterior. Desgaste de Dilma ou crescimento de Campos poderia leva-lo ao segundo turno. Poderia. O eleitorado conservador e insatisfeito com o governo, que o acompanha, tende a buscar refúgio sob o manto de Marina Silva. Soma-se a ele os embalados pela emoção da morte trágica de Campos, os preocupados com as questões ambientais e os mais jovens - afinal, Aécio é visto como um político velho embora tenha menos idade (54 anos) que sua concorrente.

Aécio admite que irá perder votos, mas torce para que o grosso do apoio à concorrente venha daqueles que pretendiam anular ou se abster nas eleições. Mas isso é apenas desejo. De verdade mesmo Aécio sabe que Marina não terá palanque em São Paulo: ela defenestrou Alckmin e o PSDB e terá dificuldades também no Rio.

E está de volta a arte de engolir sapos

No dia 26 de junho, portanto há menos de dois meses, a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, distribuiu nota oficial cujo texto merece ser lembrado.

"3. Rede e PSB reconhecem que ambos os partidos são independentes e com identidades próprias que devem ser respeitadas. Isso lhes assegura autonomia política sem comprometimento da aliança programática-eleitoral firmada em 5 de outubro passado.

4. A filiação transitória democrática permite que, tão logo a Rede obtenha seu registro na Justiça Eleitoral, o que deve ocorrer nos próximos meses, seus militantes formalmente vinculados ao PSB poderão se transferir para a legenda de origem sem o risco de qualquer tipo de sanção partidária.

5. Portanto, os militantes da Rede têm data para deixar o PSB, conforme o compromisso firmado entre os partidos no final do ano passado".

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