Por: Fábio Lau
O anúncio
oficial do nome de Marina Silva na disputa das eleições presidenciais deste
ano, pelo PSB, é uma questão de tempo. Mais popular que o candidato Eduardo
Campos, morto em acidente aéreo no último dia 13, Marina conduzirá uma disputa
praticamente sacramentada em primeiro turno, num cenário de vitória tranquila
de Dilma Rousseff, para o segundo turno. E a tarefa não parece das mais
difíceis: bastaria repetir a votação na sua última disputa em 2010, quando teve
quase 20 milhões de votos. Além disso, que Aécio não perdesse muito do que tem
conseguido apresentar nas pesquisas - 20% das intenções. Mas é agora é que o
bolo desanda.
Marina Silva
não é mais a santa do pau-oco de quatro anos quando poucos a conheciam ou já
tinham ouvido críticas a seu respeito. Na trajetória política que se seguiu ao
último pleito ela foi discutida, analisada e, claro, chamuscada por declarações
que mudaram seu perfil junto àqueles que a viam como a terceira via - em geral,
confundida como a alternativa moderna a um quadro consolidado da política
tradicional.
A senadora
se aproximou, defendeu e protegeu um político que, vamos combinar, nada mais
era que a ressuscitação do boquirroto Enéas. Marcos Feliciano, um deputado que
nasceu na Igreja e para ela irá retornar, emergiu na política condenando com
dedo em riste negros, gays, comunistas, progressistas e qualquer coisa mais que
estivesse distante da sua Bíblia pessoal. Direito da mulher ao aborto,
casamento entre pessoas do mesmo sexo, tudo o que conduzia o brasileiro na
direção da autonomia e direitos individuais se tornou alvo do parlamentar.
No passado, PT e luta contra
Madeireiros
E Marina
Silva, para desencanto dos que a viam moderna, saiu em seu socorro quando a sociedade
organizada reagiu a intromissão religiosa no ambiente político. Disse que
Feliciano era vítima de preconceito por ser evangélico. Um Estado Laico, tal e
qual defende a Constituição, é elemento que ofende a fé de Marina Silva embora
tente, na média dos seus dias, andar na corda bamba do compromisso republicano
e da liturgia religiosa. Água e óleo não se misturam, sabemos.
Entre o macaco e Adão e Eva
Marina não
aceita a tese do criacionismo: o homem seria uma evolução natural do macaco.
Por dever de ofício religioso prega a crença nas figuras simbólicas de Adão e
Eva. Mas finge que o assunto não é importante e diz que a Ciência está cada vez
mais assimilada pela religião. Mentira. Enquanto Feliciano argumentar, e ela o
defender, de teses absurdas como a do castigo divino que forjou a raça negra,
Ciência e religião se manterão distantes.
A
parlamentar está cada vez mais separada do perfil que a apresentou no mundo
político: o da cabocla da floresta que experimentou a miséria em tempos idos. A
Marina de hoje é amiga de uma das principais herdeiras do Grupo Itaú, Maria
Alice Setúbal, a Neca, e recebe apoio financeiro do grupo que é o segundo mais
pujante do país em arrecadação. O mesmo se dá com relação a Natura, empresa que
se constrói com princípios de defesa do meio ambiente - uma das plataformas de
Marina. Guilherme Leal, vice-presidente do grupo, foi vice também na sua chapa
em 2010. Mas a empresa já foi condenada por demitir funcionários doentes (leia
aqui) e também de Biopirataria (leia aqui). O Sindicato dos Químicos de São
Paulo chegou a elaborar dossiê relatando irregularidades envolvendo a empresa
(leia aqui).
Um dos
maiores avanços da Ciência nas últimas décadas, as pesquisas com
células-tronco, foram criticadas por Marina Silva que tentou barrar sua
aprovação no Congresso. A líder religiosa, e também política, acredita que
reverter quadros de paraplegia ou tetraplegia, tal e qual se busca no novo
estudo, seria confrontar os desígnios de Deus. Ao paraplégico não mais seria
possível além de empurrar ou ser empurrado em sua cadeira de rodas. Ponto para
quem enxerga o radicalismo religioso atrapalhando avanços políticos e sociais.
Mesmo agora,
ao falar sobre a morte de Eduardo Campos e sobre o fato de ter desistido de
pegar o mesmo voo, Marina molhou no discurso sua religiosidade que soou
ofensivo a sua audiência: a atribui não ao acaso, mas a providência divina.
Para ela, a sua sobrevivência foi um desejo de Deus. E a morte de Campos,
também.
Legalização
das drogas é outro tema que Marina Silva se coloca contrária. Embora seja ainda
controverso, com muitas autoridades no assunto se posicionando adversárias da
tese, é fato que em países onde a legislação flexível foi adotada houve
expressiva redução na criminalidade no universo das drogas. O Uruguai é o
exemplo mais próximo.
Outra marca
interessante da trajetória da acreana de 56 anos é seu pouco apego a legenda
partidária. Fundadora do PT ao lado de Chico Mendes, na década de 80, ela já
perambulou pelo Partido Verde, Rede Solidariedade, até finalmente assinar
filiação ao PSB para ser vice de Eduardo Campos. Organicamente, seus
correligionários sabem que dela não há de se esperar um fio de comprometimento
com algumas posições partidárias. Como o direito ao aborto, por exemplo. Mas há
um componente na sua história que ela deveria tentar explicar: ficou em
terceiro lugar nas eleições presidenciais no seu estado natal, o Acre.
Partido aceita Marina e deve
oficializá-la
A entrada em
cena de Marina Silva no cenário político mexe muito com o mar de águas calmas
que se desenhava. Se o governo sai da sua zona de conforto, com uma vantagem de
votos que garantiria a vitória em primeiro turno, agora a possibilidade de
segundo embate é real.
Mas
engana-se quem pensa que o prejuízo maior nesta mudança será de Dilma Rousseff.
Aécio era o herdeiro natural de qualquer movimentação política que ocorresse no
cenário anterior. Desgaste de Dilma ou crescimento de Campos poderia leva-lo ao
segundo turno. Poderia. O eleitorado conservador e insatisfeito com o governo,
que o acompanha, tende a buscar refúgio sob o manto de Marina Silva. Soma-se a
ele os embalados pela emoção da morte trágica de Campos, os preocupados com as
questões ambientais e os mais jovens - afinal, Aécio é visto como um político
velho embora tenha menos idade (54 anos) que sua concorrente.
Aécio admite
que irá perder votos, mas torce para que o grosso do apoio à concorrente venha
daqueles que pretendiam anular ou se abster nas eleições. Mas isso é apenas
desejo. De verdade mesmo Aécio sabe que Marina não terá palanque em São Paulo:
ela defenestrou Alckmin e o PSDB e terá dificuldades também no Rio.
E está de volta a arte de engolir
sapos
No dia 26 de
junho, portanto há menos de dois meses, a Rede Sustentabilidade, de Marina
Silva, distribuiu nota oficial cujo texto merece ser lembrado.
"3.
Rede e PSB reconhecem que ambos os partidos são independentes e com identidades
próprias que devem ser respeitadas. Isso lhes assegura autonomia política sem
comprometimento da aliança programática-eleitoral firmada em 5 de outubro
passado.
4. A filiação
transitória democrática permite que, tão logo a Rede obtenha seu registro na
Justiça Eleitoral, o que deve ocorrer nos próximos meses, seus militantes
formalmente vinculados ao PSB poderão se transferir para a legenda de origem
sem o risco de qualquer tipo de sanção partidária.
5. Portanto,
os militantes da Rede têm data para deixar o PSB, conforme o compromisso
firmado entre os partidos no final do ano passado".
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