quinta-feira, 7 de agosto de 2014

CÂMARA CASCUDO: DIÁLOGO COM O MUNDO

Faceta filosófica de Luís da Câmara Cascudo ganha luz
com a reedição, 40 anos depois, de Prelúdio e Fuga do Real
Fotografia: Divulgação

Por: Yuno Silva
Em: TRIBUNA DO NORTE

O mundo bateu à porta de Câmara Cascudo, e as anotações habituais que fazia nas páginas dos livros que lia serviram de alicerce para “Prelúdio e fuga do real”. Rara experiência literária do historiador, pesquisador, antropólogo, advogado e jornalista potiguar, famoso por estudos etnográficos e culturais, o livro constrói diálogos imaginários com escritores e personagens de sua preferência, figuras bíblicas e mitológicas como Maria Madalena, recebida na casa do escritor ali no caminho da Ribeira para a Cidade Alta; ou Maquiavel, com quem Cascudo conversou na Praça Augusto Severo, Ribeira. Caim, Luís de Camões, Dom Quixote, Ramsés II, Nostradamus, Epicuro, Rei Midas e Judas Iscariotes também estão na lista dos papos (francos e fluidos) que podem ser lidos em qualquer ordem e tempo.

Hoje, data histórica, quando se completa exatos 28 anos de seu encantamento, essa faceta pouco conhecida do intelectual será (re)apresentada ao público no Centro de Convivência da UFRN, local escolhido para o lançamento de “Prelúdio e fuga do real”. O livro está esgotado há décadas e essa segunda edição sai sob chancela da Global Editora e da EDUFRN. Na capa, o ‘olho’ captado pelo fotógrafo Ivan Russo em formação rochosa na região do Gargalheiras, em Acari, sugere a visão amplificada de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986).

Durante o lançamento, haverá breve debate sobre a relevância de seu conteúdo com o professor Humberto Hermenegildo, o jornalista e crítico literário Nelson Patriota e a escritora, filha do homenageado, Anna Maria Cascudo Barreto.

“Será uma conversa rápida, apenas para passar algumas informações e ressaltar o perfil da obra. Considero esse livro um ponto de partida tanto para ler e reler outros títulos de Cascudo como para buscar entendimento de seus pensamentos”, disse Hermenegildo, coordenador do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses da UFRN, que conduziu a tradução, elaboração e contextualização das notas – detalhe ausente na primeira edição de 1974.


A companheira, agora só, de um dos maiores folcloristas do Brasil
Fotografia: Canindé Soares

DIÁLOGOS COM UM LEITOR VORAZ

Publicado originalmente em 1974, o livro revela o Cascudo leitor, “mostra quem foi, o que pensava e sua visão de mundo”, avalia a neta Daliana Cascudo. Em 35 capítulos Câmara Cascudo trava diálogos hipotéticos, informais e instigantes. As mais de 300 páginas também são recheadas por 506 notas que tecem uma colcha poliglota de referências; citações em inglês, francês, italiano, latim, espanhol e alemão que comprovam a rica visão de mundo de Câmara Cascudo, suas impressões sobre os dilemas humanos e o alto grau de sua formação intelectual.

Câmara Cascudo tinha o hábito de anotar nas margens dos livros impressões sobre tudo o que lia. “Quem pega um livro de sua biblioteca pessoal vai perceber o tanto que ele debate, concorda e discorda dos autores e personagens. Acredito que essas discussões deram origem a ‘Prelúdio e fuga do real’. Vejo traços filosóficos nos textos”, destacou Daliana, diretora do Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo, museu e memorial que funciona na casa onde o mestre nasceu e viveu toda sua vida, ali na subida da Ribeira para a Cidade Alta.

A revisão cuidadosa desta segunda edição de “Prelúdio...”, que corrige uma série de erros apontados pelo próprio autor na época da publicação original, foi realizada por Nelson Patriota, Fátima Maria Dantas e Andréia Braz.

MATURIDADE LITERÁRIA


Para o professor Humberto Hermenegildo, apesar de “Prelúdio e fuga do real” pedir bagagem e repertório literário, o livro oferece entendimento para questões locais com base em uma ampla e eclética visão de mundo. “Câmara Cascudo era um cosmopolita extremamente ligado às tradições, e como não conhecemos muito sua literatura esse livro nos dá uma visão de seu lado escritor. Uma faceta diferente do Cascudo pesquisador e etnógrafo. Vemos passagens ensaísticas, imaginação e criatividade literária”, enumera Hermenegildo, lembrando que “Prelúdio...” foi escrito na fase madura do autor.

“Ainda temos muito a desengavetar sobre Cascudo, há várias pesquisas em curso no Núcleo (Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses)”, reforça o professor. O próprio, inclusive, iniciou estudo sobre a correspondência de cascudo na década de 1920.

FRONTEIRA

O jornalista e crítico literário Nelson Patriota, escreveu que “Prelúdio e a fuga do real” é um texto “fronteiriço entre diversos saberes – literatura, mitologias, ciência e técnica, religião e política”. Para Patriota, o livro oferece ao leitor “uma riqueza textual de tal ordem que o torna um livro especial, não só dentro da vasta obra cascudiana, mas na própria bibliografia nacional”.

O crítico aponta que, por trás da trama, “percebe-se claramente um ‘ardil literário’: a pretexto de discutir determinados assuntos de interesse geral e intrínsecos às preocupações humanistas, Cascudo recebe uma série de convidados, pessoas de outros tempos, personagens literários e míticos que guardam alguma relação com cada assunto tratado. Nesse processo, que subverte a ordem natural do mundo, o mestre parece estar perfeitamente à vontade. O diálogo com o centauro Bianor Silva, descendente do grande Quíron, preceptor de Aquiles, dá pretexto para uma conversa sobre a educação dos jovens”, exemplifica.

Fonte:
Yuno Silva, repórter
(*) Colaborou: Cinthia Lopes, editora




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