sexta-feira, 8 de agosto de 2014

COMO ARIANO SUASSUNA MUDOU A VIDA DE JUSCELINO, SEU MOTORISTA POR 7 ANOS

Soldado lotado na Casa Militar, ele recebeu a missão de dirigir para o secretário de Cultura, com quem aprendeu mais sobre literatura e humildade.

Era meio-dia e quarenta minutos do sábado, 19 de julho de 2014. Juscelino deixou Ariano e Dona Zélia em casa e se despediu do casal pela última vez. Levava no bolso uma carta endereçada ao mestre, escrita meses antes, que nunca chegou a ser entregue. Passou muito tempo ensaiando o momento, escolhendo as palavras, imaginando como introduziria o assunto. Quando chegou à Rua do Chacon, nº 328, a família preparava uma celebração para o aniversário de Zélia de Andrade Lima Suassuna, comemorado naquela data. Achou que não seria conveniente. Saiu levando a carta consigo.

Aquela não foi a primeira vez que o motorista desejou pôr o texto nas mãos do chefe. Na noite anterior, em Garanhuns – onde o escritor, dramaturgo e secretário de Estado Ariano Suassuna, 87 anos, havia realizado a sua última aula-espetáculo –, o soldado Juscelino Moura, 40 anos, lotado na Casa Militar de Pernambuco, designado para servir ao mestre, chegou a fazer uma tentativa. Mas os músicos que acompanhavam Ariano nas aulas-espetáculo estavam muito felizes com a sua presença. Zoca Madureira e Jerimum de Olinda conversavam animadamente com autor paraibano mais pernambucano de todos. Novamente, não sentiu a ocasião favorável. Dormiu de posse da carta.

Foram muitas idas e vindas com aquela página impressa na iminência de chegar ao seu destinatário. A última versão traz no cabeçalho o dia 17 de março de 2014. Seria entregue caso o secretário deixasse o cargo simultaneamente ao governador Eduardo Campos, que se desincompatibilizou em abril para concorrer à presidência da República. O futuro do soldado com o escritor teria, então, os dias contados. Quis o destino que o novo administrador, João Lyra Neto, estendesse a convivência mais um pouquinho. Quis o destino, outra vez, que o encontro entre ambos terminasse abruptamente naquele 19 de julho. Dois dias depois, numa segunda-feira à noite, Ariano era internado no Real Hospital Português por causa de um acidente vascular cerebral. Morreu na unidade de saúde no dia 23 de julho. Era uma quarta-feira. Chovia no Recife.

(***) FONTE: Jornal do Commercio


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