Maria Boa.
(Sandro Fortunato*)
Cabe uma
explicação aos mais jovens, aos castos e aos pudicos. Cabaré, boate, casa de
massagens, puteiro, casa de strip, relax for men e outros templos do prazer
carnal não são tudo a mesma coisa.
Cabaré é
algo que quase não existe mais. Era o local de trabalho das damas, das mulheres
da noite. Nele havia uma dona, geralmente uma senhora respeitável, douta na
arte de fazer um homem gemer sem sentir dor, conhecedora de mistérios somente
revelados à meia luz, entre gemidos e sussurros. Essa senhora recebia em sua
casa várias meninas que, repetindo sua própria história, um dia haviam fugido
de casa ou sido colocadas para fora pelo pai envergonhado da filha ingrata que
desgraçara o lar fazendo safadeza antes do tempo e sem ser casada. Essas
meninas tinham cada uma, seu quarto, suas coisinhas, seu mundo. Tinham hora
para trabalhar. Tinham clientes preferidos. Também tinham amigos. Tinham uma
vida. E, essa não era nada fácil.
Ir a um
cabaré nem sempre significava buscar sexo pago. Frequentava-se cabaré para
beber, conversar com os amigos, com as meninas da casa, ver um show, enfim,
para se divertir e relaxar. Ao final, você poderia voltar para casa de espírito
mais tranquilo e sem necessariamente ter chegado às vias de fato.
Na provinciana
Natal desde os anos 40 a meados da década de 80, existiu o Cabaré de Maria Boa,
talvez o último desses locais que merecesse ser chamado assim. Era de
propriedade de uma verdadeira dama, respeitável cortesã.
Luz
vermelha, quartos minúsculos com acústica privilegiada aos que passavam no
corredor, toalhinha e bacia com água para lavar as partes, cerveja gelada,
meninas que conversavam, mulheres mais experientes com suas “frases de
sedução”: E aí, bonitão, vamos brincar um pouquinho hoje? ou Vem cá, simpático.
A radiola de ficha a tocar e as meninas sonhando com alguém que as tirasse
daquele lugar.
Maria Boa
era natural de Campina Grande. Como teria vindo para Natal? Será que a menina,
então com pouco mais de vinte anos, que deixava Campina, poderia imaginar que a
Casa de Maria Boa faria fama no Brasil e no mundo e, mais que simples cabaré,
viraria referência turística da capital potiguar?
Maria Boa
chegou a Natal junto com os americanos e a Segunda Guerra. Sua casa levou se
tornou um referencial. Era frequentada por políticos e empresários. Funcionou
por aproximadamente meio século. Já era quase uma septuagenária quando
caminhava diariamente ao amanhecer pela Praia do Meio, onde morava, com uma
antiga amiga. Não se sabe se nessa época ainda aparecia para gerir os negócios.
Poucos tiveram a oportunidade de pousar olhos embriagados sobre sua lendária
figura.
Uma história
foi contada na edição do Diário de Natal, que trazia a notícia da morte de
Maria. O fato ocorreu em um churrasco em família, num ambiente bem tranquilo:
“Numa cadeira ao lado, sentou uma senhora usando vestido azul e sandálias
pretas. (…) Seus traços físicos ainda guardavam sinais de uma mulher que já
fora muito bonita, de belo corpo. Conversei uma hora com a mulher ao lado. Ao
final do papo, ela perguntou meu nome. Respondi a senhora e, por educação, fiz
a mesma pergunta. Com um sorriso, ela me respondeu: “Me chamo Maria de
Oliveira”. (…) Alguns minutos após, minha avó se aproximou, comentei com ela:
“Que mulher distinta e educada, ela parece uma lady do tipo inglesa”. Minha avó
disse: “Você estava conversando com Maria Boa”.
Outra
história, na cobertura do enterro, foi registrada:
Morreu
ontem, por volta de 1 hora da manhã, vítima de acidente vascular cerebral - AVC
(trombose), na Casa de Saúde São Lucas, Maria Oliveira Barros, mais conhecida
como Maria Boa, 77 anos. Ela fez história no Rio Grande do Norte com seu
bordel. Com o sepultamento de Maria Boa, desaparece também uma figura lendária
da história da cidade, que da badalação da noite envolveu-se num véu de recato
e discrição, usufruindo o que amealhou com décadas de trabalho em extremo
convívio familiar.
Quem não
viveu a Natal dos anos sessenta, quando o sexo era reprimido “entre as moças de
família”, não pode avaliar o que foi essa “instituição” para jovens iniciantes,
ou para o relax de vetustas figuras do Judiciário, Legislativo e Executivo,
empresários, enfim cidadãos de todos os tipos, de uma cidade com menos de 200
mil habitantes.
Junto com
Maria, morreu todo o romantismo de uma época.
Hoje, temos
garotas de todos os tipos, para todos os bolsos, gostos e fantasias, mas não se
fazem mais Damas da Noite como antigamente.
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