quinta-feira, 7 de agosto de 2014

POESIA É CORPO E EROTISMO


 "Gosto de sentir a minha
língua roçar a língua
de Luís de Camões.”

Caetano Veloso

Por: Lívio Oliveira (livioliveira@yahoo.com.br)

O fazimento poético já é, de per si, uma atitude erótica, um envolvimento amoroso que se pressupõe com a língua e com a linguagem. A poesia já se realiza em busca de um peculiar desvelamento, a revelação da beleza desnudada, do prazer, da sensualidade. Impossível criar a poesia sem que se dê a apreensão e envolvimento erótico com a palavra e com o belo que nela há. O poeta cumpre, assim, um papel e um rito que se elabora ao longo de um transe inapelavelmente orgástico. A essencialidade dessa relação, desse mimetismo transbordante entre a arte e o artista (a palavra e o corpo da palavra) revela a mais intensa e verdadeira pulsão de Eros em meio à criação do artista-poeta. A língua do poeta – mesmo que não o diga expressamente – é a língua que lambe o Eros. A língua lambe e é lambida e se forma a poesia do texto carnal.

O texto se faz carne. A carne se faz texto. A partir daí se configura o espectro, o panorama fascinante da escolha do poeta pela palavra sensual. E essa escolha pressupõe riscos, ainda mais numa sociedade em que o corpo e o apetite pelo prazer ainda estão quase que totalmente escondidos, numa espécie de clandestinidade absurda. Firma-se tristemente a ocultação do que se considera – muitas vezes erroneamente – obsceno, daquilo que para alguns desafia o espírito e a sociedade do trabalho. O obsceno é repetidamente eleito de forma inadequada, quando sequer deveria se configurar como tal, ou seja, fora da cena. A não ser quando instalado patologicamente na mente do receptor da informação erótica. Basta dizer que o que é obsceno hoje pode ser simplesmente erótico amanhã e isso também terá variações no que respeita ao espaço geográfico e social em que se encontre a manifestação poética que almeja tratar e retratar o corpo.

Aqui, então, surge logo uma pergunta inicial: o erotismo é parcialmente aceito e a pornografia condenada? Se sim, por quê? E até que ponto a poesia é erótica e até que ponto é pornográfica quando trata do corpo e do desejo do homem e da mulher e suas variações múltiplas? Dessa pergunta surgirão outras, como: Por que a poesia que escolhe essa temática tem sido colocada numa condição quase que eterna de clandestinidade, mesmo aquela que é sutilmente erótica, meramente sensual? Até quando a poesia sofrerá amarras sociais que impeçam sua exposição à luz solar, como a deste dia em meio aos trópicos? Deverá se manter como segredo perene no universo restrito das alcovas e dos tabus? Em que a poesia erotizante pode transformar o mundo em que vivemos? Para melhor? Para o amor que supera a guerra? O amor carnal não pode se revelar?

Concluo que a palavra e o corpo nus são as nossas maravilhas a serem eleitas. O poeta tem, sim, que erotizar, independentemente de rótulos, censuras, entendimentos equivocados, má-fé dos outros, o poeta tem mesmo que ser transbordante nesse ofício. A boa poesia é a que leva ao orgasmo, seja ele intelectual ou mesmo sensorial ou físico. E isso tenderá a ser aceito à medida que as sociedades e os povos evoluam e passem a se aceitar. Sexo é civilização e não o contrário. E isso termina se traduzindo numa tarefa política, de transformação do mundo e de oferta de uma alternativa que o envolva amorosamente. Afinal, poesia é a mente e é o corpo, ambos livres e plenos.


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