"Gosto de sentir a minha
língua roçar a língua
de Luís de Camões.”
Caetano
Veloso
Por: Lívio Oliveira (livioliveira@yahoo.com.br)
O fazimento
poético já é, de per si, uma atitude erótica, um envolvimento amoroso que se
pressupõe com a língua e com a linguagem. A poesia já se realiza em busca de um
peculiar desvelamento, a revelação da beleza desnudada, do prazer, da
sensualidade. Impossível criar a poesia sem que se dê a apreensão e
envolvimento erótico com a palavra e com o belo que nela há. O poeta cumpre,
assim, um papel e um rito que se elabora ao longo de um transe inapelavelmente
orgástico. A essencialidade dessa relação, desse mimetismo transbordante entre
a arte e o artista (a palavra e o corpo da palavra) revela a mais intensa e
verdadeira pulsão de Eros em meio à criação do artista-poeta. A língua do poeta
– mesmo que não o diga expressamente – é a língua que lambe o Eros. A língua
lambe e é lambida e se forma a poesia do texto carnal.
O texto se
faz carne. A carne se faz texto. A partir daí se configura o espectro, o
panorama fascinante da escolha do poeta pela palavra sensual. E essa escolha
pressupõe riscos, ainda mais numa sociedade em que o corpo e o apetite pelo
prazer ainda estão quase que totalmente escondidos, numa espécie de
clandestinidade absurda. Firma-se tristemente a ocultação do que se considera –
muitas vezes erroneamente – obsceno, daquilo que para alguns desafia o espírito
e a sociedade do trabalho. O obsceno é repetidamente eleito de forma
inadequada, quando sequer deveria se configurar como tal, ou seja, fora da
cena. A não ser quando instalado patologicamente na mente do receptor da
informação erótica. Basta dizer que o que é obsceno hoje pode ser simplesmente
erótico amanhã e isso também terá variações no que respeita ao espaço
geográfico e social em que se encontre a manifestação poética que almeja tratar
e retratar o corpo.
Aqui, então,
surge logo uma pergunta inicial: o erotismo é parcialmente aceito e a
pornografia condenada? Se sim, por quê? E até que ponto a poesia é erótica e
até que ponto é pornográfica quando trata do corpo e do desejo do homem e da
mulher e suas variações múltiplas? Dessa pergunta surgirão outras, como: Por
que a poesia que escolhe essa temática tem sido colocada numa condição quase
que eterna de clandestinidade, mesmo aquela que é sutilmente erótica, meramente
sensual? Até quando a poesia sofrerá amarras sociais que impeçam sua exposição
à luz solar, como a deste dia em meio aos trópicos? Deverá se manter como
segredo perene no universo restrito das alcovas e dos tabus? Em que a poesia
erotizante pode transformar o mundo em que vivemos? Para melhor? Para o amor
que supera a guerra? O amor carnal não pode se revelar?
Concluo que
a palavra e o corpo nus são as nossas maravilhas a serem eleitas. O poeta tem,
sim, que erotizar, independentemente de rótulos, censuras, entendimentos
equivocados, má-fé dos outros, o poeta tem mesmo que ser transbordante nesse
ofício. A boa poesia é a que leva ao orgasmo, seja ele intelectual ou mesmo
sensorial ou físico. E isso tenderá a ser aceito à medida que as sociedades e
os povos evoluam e passem a se aceitar. Sexo é civilização e não o contrário. E
isso termina se traduzindo numa tarefa política, de transformação do mundo e de
oferta de uma alternativa que o envolva amorosamente. Afinal, poesia é a mente
e é o corpo, ambos livres e plenos.
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